Só a prisão de Bolsonaro encerrará o 8 de janeiro

Punir envolvidos na tentativa de golpe em Brasília não terá efeito enquanto mandantes não forem punidos

Por Vitória Regina

O Estado brasileiro carrega, em suas estruturas, as marcas do autoritarismo por jamais ter confrontado, de maneira efetiva, os crimes cometidos durante a ditadura militar. Ao invés de responsabilizar os agentes da repressão, o Estado os preservou, garantindo-lhes impunidade e remuneração privilegiada, mesmo após a redemocratização. Um exemplo é o caso dos torturadores e assassinos do deputado Rubens Paiva, cujos salários, somados, alcançam a cifra de R$ 140,2 mil mensais, custeados pelo Estado.

No dia 8 de janeiro de 2022, a fragilidade da democracia brasileira se escancarou. Por pouco, não vimos de forma televisionada um outro golpe de estado. Liderados por Jair Bolsonaro, ex-presidente democraticamente eleito, uma multidão de bolsonaristas invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes – o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao longo dos últimos dois anos, o Supremo Tribunal Federal sentenciou 371 indivíduos entre os mais de dois mil investigados em razão dos ataques de cunho golpista perpetrados em 8 de janeiro de 2023. O relatório, divulgado na última terça-feira, 7, pelo gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos correspondentes, indicou que 898 réus foram formalmente responsabilizados. Dentre esses, 527, vinculados a condutas de menor gravidade, celebraram acordos com o Ministério Público Federal (MPF). As sanções impostas oscilam entre três anos e 17 anos e seis meses de reclusão. Naquela ocasião, 2.172 pessoas foram detidas em flagrante por envolvimento nas ações, sendo que, de acordo com o levantamento, ao menos 122 permanecem na condição de foragidas.
No entanto, todas essas condenações carecerão de pleno significado caso, ao término do processo, Jair Bolsonaro e os financiadores do golpe permaneçam impunes. Para conseguirmos dizer que aquele fatídico dia se encerrou e, por ora, não mais representa uma ameaça à democracia brasileira, é necessário enfrentar a raiz do problema e impedir que os líderes desses ataques concebam novas iniciativas golpistas.

 

Para além da intenção de instaurar um golpe de Estado, constavam também nos planos dos conspiradores o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes – tudo isso com o respaldo financeiro de setores ligados ao agronegócio. Decorridos dois anos, pouco se alterou no panorama.

Jair Bolsonaro continua a proferir declarações ambíguas, fomentando um ambiente propício para novos atos de natureza golpista. As condenações e prisões realizadas até o presente momento, longe de acalmar os ânimos, parecem ter exacerbado os anseios antidemocráticos de seus seguidores mais fiéis. Ademais, tratar essa tentativa de golpe como um evento espontâneo é um erro grave, que ignora tanto a conjuntura política brasileira quanto os reflexos do cenário global. O episódio de 8 de janeiro é resultado de anos de desinformação, do uso sistemático de uma máquina de notícias falsas em larga escala e da disponibilização de recursos financeiros consideráveis.

Dois anos antes da tentativa de golpe de Estado liderada por Jair Bolsonaro no Brasil, uma ação similar foi articulada por Donald Trump nos Estados Unidos. Naquele contexto, mais de 1.250 pessoas admitiram culpa ou foram condenadas em decorrência dos julgamentos relacionados à invasão do Capitólio.

Após uma expressiva vitória política, Trump prometeu conceder indulto aos réus do episódio de 6 de janeiro já no primeiro dia de um eventual novo governo. Tal medida, além de enfraquecer ainda mais a já debilitada justiça estadunidense, poderia encorajar futuras investidas golpistas. Para que cenário semelhante não se repita no Brasil, é imprescindível que todos os mentores intelectuais e financiadores sejam devidamente responsabilizados por seus crimes.

Vitória Regina

Vitória Regina

Marxista e psicóloga. Debate política, psicologia e cultura.

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