Badaró Convida: Leonardo Péricles
- 15 de novembro de 2024
No Armazém do Campo de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, o presidente nacional da Unidade Popular pelo Socialismo fala sobre perspectivas, trabalho de base, avaliações sobre o governo Lula e eleições nos Estados Unidos, entre outros temas
Entrevista: Norberto Liberator (roteiro e condução); Vitória Regina (roteiro)
Imagens: Maurício Costa Júnior
Badaró: Passadas as eleições, uma das críticas que tem tomado as redes sociais é a de que a esquerda precisaria “se reconectar com as massas”. Em muitos casos, esse discurso parte para uma negação de pautas como gênero, diversidade e combate ao racismo. Você acha que o conservadorismo entre setores da própria esquerda pode enfraquecer um projeto de transformação radical da sociedade?
Eu acho que as eleições, meus queridos, elas nos deram alguns recados importantes. Um deles, olhamos para a abstenção. os votos brancos e nulos que superam todos os segundos turnos no Brasil. Vou dar um exemplo.
São Paulo. O candidato que venceu as eleições teve menos do que a somada abstenção voto branco e nulo. São mais de 3,6 milhões de pessoas só da maior cidade da América Latina que não concordaram com ninguém. Só uma coisa para pensar.
E se somar no Brasil, que são milhões de pessoas no país que não acreditaram em ninguém. Olha, eu acho que nós estamos num momento de profunda reflexão dos caminhos a seguir. E, na Unidade Popular, o que nos parece é que, na verdade, muito daquilo que foi abandonado é o caminho a ser seguido. E eu faço referência aqui principalmente às pautas de gênero, raciais, enfim, o conjunto das pautas que a gente chama de opressões, elas não atrapalham a luta, pelo contrário, elas fortalecem a luta, mas desde que elas estejam conectadas à luta de classes.
Para que a gente possa não se perder nas avaliações. Eu vi, por exemplo, gente que supostamente fala que luta contra o racismo, defender, por exemplo, a Kamala Harris e lamentá-la não ter vencido as eleições nos Estados Unidos. É não aprofundar na avaliação de entender que qualquer um dos dois que vencesse aquele processo eleitoral são partidos que continuariam a guerra, por exemplo, contra o povo palestino. E o que acontece contra o povo palestino é um caso de colonialismo e racismo.
Então eu não posso ter uma avaliação seletiva de luta contra o racismo supostamente no lugar para e nego e fecho os olhos para o outro. Então devem estar conectados a pautas importantes relativas à luta de classe. Então faço essa referência, mas poderiam ter muitas outras, porque se a gente simplesmente somente considerar, por exemplo, a questão racial, Nós podemos, por exemplo, nos perder em apoiar o Sérgio Camargo, que era presidente da Fundação Palmares durante o governo Bolsonaro, um preto retinto, mas que serve para potencializar o racismo e toda a violência que o povo negro sofre, porque capitão do mato nós sempre tivemos na história. Essas pautas têm que ter uma conexão.
E o trabalho popular, esse aí, nós não podemos deixar de fazer, sobretudo com a imensa maioria da população que é a classe trabalhadora da cidade do campo.
Pegando sse gancho, já que você falou da eleição nos Estados Unidos, com o retorno do Trump à presidência, você acha que fica como a relação entre o Brasil e os Estados Unidos? E você acha que esse retorno dele fortalece a extrema-direita a nível Olha, eu.
Acho que tende a ser o mesmo tipo de relação, que o centro dela é uma relação de submissão do nosso país aos Estados Unidos. Essa é a relação que eles têm conosco. E, infelizmente, Os governos, um atrás do outro, reforçam isso, mesmo alguns como o atual governo, que fazem um discurso aparentemente diferente, mas mantém essa dependência, uma vez que não rompe com questões fundamentais e centrais para que o nosso país possa ser independente. Eu estou falando aqui de a gente não ser um mero exportador de matéria-prima.
E os Estados Unidos nos vê assim. E nenhuma das duas que disputavam centralmente a presidência dos Estados Unidos tinha qualquer outro compromisso que não esse, tratar o nosso país como quintal deles, como sempre fizeram. É um país imperialista e um dos maiores inimigos dos povos que nós temos hoje no mundo, o principal inimigo é os Estados Unidos. Do ponto de vista de reforçar a ação da extrema-direita, sem dúvida nenhuma, embora também com o próprio Biden, nós não tivemos tantas diferenças assim, a política internacional deles é uma política de guerra, uma política de apoio a golpes, de violência, enfim, aquele nome democrata, nós não podemos achar que aquilo realmente Trata-se do processo eleitoral, mas um dos processos eleitorais que tem fachada democrática mais antidemocrática que nós temos no mundo.
Que é uma ditadura enorme dos grandes monopólios, dos grande capital e que fazem com que só dois partidos possam conseguir disputar a eleição. Existem vários, inclusive, outros candidatos à presidência da República, inclusive de esquerda, que não tem o menor espaço na grande mídia e nós sabemos que todo esse aparato institucional feito para impedir que haja uma real democracia popular está sendo feito no mundo inteiro. O neoliberalismo é uma das bases dele. É afastar as massas, a classe trabalhadora, os povos das decisões políticas e jogar esses setores a ultra exploração e opressão, esse é o plano do neoliberalismo e nos Estados Unidos isso é muito evidente.
Agora, a articulação direta de Trump com forças reacionárias, antipovo, de orientação fascista, ele mesmo é um nazi fascista. inclusive com várias declarações que mostram isso. Então, a política que nós temos que seguir é o combate permanente ao imperialismo norte-americano, a solidariedade aos povos que eles estão massacrando, seja o povo palestino, seja a intervenção na Ucrânia, apoiam e todos os processos de, inclusive, de submissão econômica, e não só no caso aqui do nosso país, mas da América Latina e de outras partes do mundo, e nós precisamos fazer a luta, inclusive, em conexão com a classe trabalhadora e os povos lá dos Estados Unidos, que tem muita coisa avançada. Já vimos lá o movimento Vidas Negras Importam, que foi determinante no momento anterior para a derrota do Trump, e não vai ser, com certeza, uma classe trabalhadora e um povo tão testado na luta, com certeza conseguirá desenvolver lutas importantes que podem abrir novos caminhos para os povos nesse próximo período.
A Unidade Popular tem no trabalho de base um dos seus principais focos de atuação, com uma forte ligação aos movimentos de moradia e ao movimento negro, por exemplo. como você avalia a cobrança por trabalho de base por parte de alguns setores da esquerda e como a UP tem atuado nesse tempo?
Olha, essa parte do trabalho de base é determinante e central, e você fez referência a dois espaços de atuação nossos importantes, a moradia, eu mesmo venho do movimento de luta nos bairros, vilas e favelas, inclusive faço parte, sou morador de ocupação, ajudo no processo de luta e de construção cotidiana também, sempre que posso, do movimento. Agora, nós entendemos que esses e outros trabalhos têm que estar conectados a um que é determinante e central para quem se propõe a superar o sistema capitalista, que é o trabalho junto à classe trabalhadora. Todo o discurso que as classes dominantes vêm fazendo nesses últimos anos e décadas é dizer que a classe trabalhadora, inclusive usando seus cientistas, seus grupos de pesquisa financiados pelos grandes monopólios, que a classe trabalhadora está deixando de existir. E aí eu quero citar dois exemplos recentes que eles são capazes para mostrar o contrário.
E o primeiro foi aquela luta um ano e quatro meses atrás, mais ou menos, que aconteceu na França, em Paris em especial, a greve dos Garis. Ali foi um momento extremamente importante de parte de uma jornada imensa de luta contra a reforma da Previdência por lá. E nós vimos uma greve pujante que leva aquela cidade da Torre Eiffel, de muitas belezas, com toneladas e toneladas de lixo. E aí eu quero fazer uma reflexão, por que que não pediram, já que a inteligência artificial está substituindo a classe trabalhadora, por que que ela não foi lá apanhar o lixo que estava no centro daquela cidade?
Mas eu tenho um outro exemplo muito recente, eu sou torcedor num clube do Galo, do Clube Atletico Mineiro, lá de Minas e tal, E aí, assisti o jogo da semana passada da Libertadores, na terça-feira, o Galo se classifica para a final, legal. E aí estava marcado um voo fretado para voltar de Buenos Aires, o monumental de Nunes, o jogo contra o River. Voltar de lá para Belo Horizonte, para quarta-feira, tinha uma decisão da Copa do Brasil no final de semana, o Galo só voltou na quinta. Por quê?
Porque tinha uma greve em geral acontecendo na Argentina. E os trabalhadores aeroviários aderiram a essa greve e não tinha mesmo um voo fretado, ou seja, com todo o dinheiro que o capital tenha, não tinha o piloto para decolar o avião. Não tinham os mecânicos para garantir que a manutenção estava ok para aquele avião decolar. Então, novamente, volto a dizer, e a inteligência artificial?
Por que ela não resolveu esse problema do avião levar os jogadores de volta? Então, é determinante. Há um tempo atrás, todos que estão nos assistindo devem se lembrar da greve dos caminhoneiros que nós tivemos no Brasil. Ah, Léo, mas ali era uma orientação à direita.
Eu não estou discutindo isso, eu estou discutindo a força dos trabalhadores e trabalhadoras. Uma categoria que parou. o estrago no bom sentido que ela faz no nosso país. Agora imaginem categorias, falam por exemplo das fábricas, as fábricas hoje não tem o menor sentido, para os metalúrgicos no Brasil para ver se não tem o menor sentido, sabe?
E junta isso aos caminhoneiros, junte isso a outras categorias, Então, a classe trabalhadora é determinante. Infelizmente, boa parte da classe trabalhadora está sob influência de um movimento sindical que abandonou o que é o mais importante para os trabalhadores, o maior instrumento, a maior forma de luta mais desenvolvida pela classe trabalhadora, chamada greve. Esse é o maior instrumento de luta e mais atual. Então, nós consideramos que nós precisamos dar um novo impulso no movimento sindical e nas lutas da classe trabalhadora para esse próximo período.
Inclusive, aquela que não tem carteira assinada, que não tem vínculo empregatício, mas não deixa de ser trabalhador e trabalhadora. Inclusive, formam grande exército ou de reserva ou estão cumprindo funções que não a impedem de vender sua força de trabalho para poder viver. Portanto, trabalhadores e trabalhadoras, e nós da esquerda, precisamos saber atuar, inclusive para desenvolver lutas importantes que, na nossa opinião, passam pela revogação da reforma trabalhista, da Previdência, passam por uma nova ofensiva dos trabalhadores e trabalhadoras em torno de direitos, em torno nas cidades, nas áreas urbanas. Nós vivemos eleições municipais nesse último período que não debateram temas centrais como, por exemplo, a municipalização dos sistemas de transporte, uma vez que falhou.
Deu errado, esse sistema de transporte está na mão dos setores privados. E quem é humilhado no transporte coletivo hoje são esses trabalhadores e trabalhadoras. Então, nós temos um conjunto de medidas que são pautas, que parte de um programa efetivamente de esquerda, que não estão sendo aplicados. Então, fica difícil também a gente ter essa resposta sem que efetivamente o programa efetivo da esquerda se apresente, se coloque para milhões e milhões de pessoas para que essa mobilização possa surtir um efeito efetivo de transformações sociais, que é o único jeito que nós acreditamos efetivamente dessas transformações é com a mobilização popular.
E esse contingente dos trabalhadores e trabalhadoras que superlota as grandes cidades do Brasil é determinante para essas mudanças acontecerem.
Concentrado na disputa eleitoral. No entanto, levando em consideração a importância de cargos eleitivos para realizar alguns avanços, impedir retrocesso, qual tem sido a estratégia do partido em relação às eleições e quais as perspectivas para 2026?
Quando você fala que não está no centro nossa a questão das eleições, mas tem um motivo central, porque as eleições não resolvem os problemas centrais da sociedade. Quais seriam eles? Um deles é a gente decidir, por exemplo, se os ricos vão continuar mandando na sociedade. Isso não é debatido em nenhum processo eleitoral.
No entanto, eles com poder econômico mandam na política. Então, nós precisamos ir mais fundo. As eleições não vão fazer isso. Agora, a nossa atuação no processo eleitoral, a gente acha importante do ponto de vista da apresentação das nossas ideias.
E pra gente chegar mais longe, eu fui candidato à presidência da República em 2022, por exemplo, e foi… um momento de extrema importância para que a gente apresentasse o nosso programa, que é um programa de esquerda efetivo, popular, de enfrentamento ao grande capital. E que não é um programa só da unidade popular, mas um programa gerado nas lutas históricas da classe trabalhadora e, na nossa opinião, a única forma de resolver os graves problemas que nós vivemos. Agora, eu também quero ressaltar que o processo eleitoral está, no Brasil, muito inspirado, eu acho, nesse modelo norte-americano de centralização do poder e de diminuição já da frágil democracia burguesa, porque essa é uma democracia capitalista, dos grandes monopólios, portanto uma democracia burguesa, nunca nos esqueçamos disso.
E isso não é o mais avançado de democracia que nós podemos ter no mundo. Os povos já geraram outras formas muito mais avançadas de democracia popular. E toda vez que falar em democracia, pergunte para quem? Então eu estou falando de democracia para a maioria, para aqueles que produzem as riquezas, para os povos.
Esses é que nós estamos discutindo essa democracia. E a unidade popular sofre um cerco midiático impressionante. Tem uma legislação feita no Brasil, a partir de 2015, chamada Cláusula de Barreira, que ela impede que novos partidos, ou que não tenham representação no Congresso Nacional, tenham tempo de TV, no horário eleitoral gratuito, de rádio, contem com fundo partidário, e principalmente desobriga esses grandes monopólios da comunicação a nos convidar para os debates. Dessa forma, torna extremamente difícil que a gente se apresente para a sociedade.
Mesmo assim, a unidade popular vem avançando muito, usando formas alternativas e, principalmente, as formas que nós entendemos que são concretas, que é a velha e boa agitação e propaganda, ou seja, o trabalho de rua, o trabalho de panfletagem, o trabalho de agitação, de convocação das pessoas, de denúncia dos problemas do sistema e convocação das pessoas para lutar, para modificar isso.
Tem vários mecanismos, mas nós entendemos que nós precisamos pressionar, inclusive o TSE, o Congresso Nacional, para que haja essas alterações que estão caminhando no sentido de diminuir os partidos populares e, na verdade, essa legislação, quando implantada, disse que queria acabar com a fisiologia no movimento e na política. Na prática, ela está fortalecendo o chamado centrão, que de centro não tem nada, são partidos de direita, e está tornando as campanhas eleitorais cada dia mais caras. Agora, veja-se que há um movimento seletivo também, porque tem partidos, por exemplo, que não tinham, não contavam com a obrigatoriedade das emissoras chamarem.
Em São Paulo, por exemplo, chamaram o candidato simplesmente porque é fascista e rico. Esse foi o critério que nós chegamos à conclusão de por que ele foi chamado. Aí é fácil se tornar uma referência no processo com o tamanho e espaço que teve para poder falar, enquanto as nossas candidaturas não foram chamadas. E, infelizmente, a grande imprensa está super concentrada no Brasil, na mão dos grandes monopólios capitalistas, muito ricos, de bilionários.
Tem um bloco que nós precisamos rompê-lo e trabalhamos neste sentido. E nós consideramos também como centro dessa atuação a luta pelo socialismo, por uma nova sociedade. Nós não podemos ter defensivo em apresentar para o conjunto da classe trabalhadora e dos povos que esse anseio que eles têm de ter educação de qualidade, ter um país com condições mínimas das pessoas andarem na rua e não serem assaltadas, e elas terem direitos e não sofrerem violências, e um país que elas têm acesso à saúde. Esse tipo de país feito no socialismo.
Todas as grandes experiências socialistas do mundo garantiram isso em abundância para as pessoas e são os anseios que o povo brasileiro mais tem. Saúde, educação e segurança. Então, são políticas que o socialismo pode cumprir, implementar, ainda mais num país tão rico como o Brasil. E a unidade popular tem um compromisso de avançar essas lutas e entende que para fazer isso, isso não é realizado por um partido, mas pelos povos em luta, por milhões e milhões de pessoas.
Nós estamos falando de um outro tipo de sociedade que nós possamos ser donos das riquezas, porque nós geramos as riquezas e meia dúzia que se apropriam, menos de 1% da população que realmente se apropria dessas riquezas, os bilionários, os muito ricos, E, enquanto isso, você tem milhões de pessoas que passam fome, estão desempregadas, que não têm seus direitos mínimos garantidos e nós precisamos modificar essa situação, inclusive inspirado nos nossos povos originários aqui.
Quando o Brasil foi invadido pelos europeus, nós já vivemos essa experiência aqui. Os povos que aqui estavam eram milhares… milhões de pessoas viviam nesse território, que nem se chamava Brasil, se chamava Pindorama, e essas pessoas aqui não se conheciam, o que era fome social, o que era miséria, eram povos que o invasor disse que eram atrasados, mas que já tinham cidades aqui extremamente populosas, inclusive com maior população do que na Europa, das grandes cidades deles, e que não poluíam seus rios, por exemplo, e tinham saneamento básico, Povos que já tomavam banho todo dia, que escovavam os dentes, enfim.
E que produziam alimentos sem agrotóxicos e já atendiam milhões e milhões de pessoas. Então, veja-se que algumas das tecnologias que nós precisamos implementar no nosso país não precisam ser inventadas, não precisamos inclusive voltar para as tecnologias ancestrais, somadas ao conhecimento que a classe trabalhadora traz, nós podemos fazer um paraíso na Terra nessa pátria maravilhosa nossa, mas para isso nós temos que tirar os ricos do comando, do poder, porque nosso país deu muita coisa errada. Tem uma coisa que ela é muito correta, é o povo brasileiro, e com esse nós vamos reorganizar esse país para que ele sirva, efetivamente essas riquezas sirvam para o interesse da imensa maioria.
Você citou indiretamente o Pablo Marçal pegando esse gancho, você acha que com o desempenho expressivo que ele teve para a Prefeitura de São Paulo ele pode ser o nome da extrema direita para substituir Jair Bolsonaro já em 2025?
Olha, eu não tô muito preocupado com o nome da extrema-direita, sinceramente. Eu tô preocupado com a força que a esquerda terá para derrotar a extrema-direita no Brasil. E acho que a gente precisa pensar isso. E isso não se dará se ficar só no jogo institucional.
Nós precisamos desencadear lutas, mobilizações de rua. Tem um lugar que nós somos superiores e nós precisamos olhar para o problema concreto e eu quero dar um exemplo cabal, importantíssimo, que nós vimos nesse último período. Tem-se um discurso desse setor, dessa chamada esquerda institucional, ou social-democrata, de que nós temos que trabalhar para ter maioria no Congresso Nacional. Eu acho que, às vezes, é por oportunismo ou por desconhecimento completo do que significa uma democracia burguesa, que eu já fiz referência aqui.
Quando que a esquerda efetivamente vai ter maioria no Congresso Nacional? Acho pouco provável. Não falar impossível, mas pouco provável. Depende de uma conjuntura, de uma situação concreta.
Na Venezuela foi possível fazer isso durante um tempo ainda com Hugo Chávez, mas em cima de uma situação muito concreta, onde se derrotou efetivamente durante quatro, cinco anos, a direita não tinha nenhum espaço e a esquerda teve imensa maioria. Mas isso são casos muito raros. Agora, a referência que eu tô fazendo. Então, qual é a vantagem que nós temos em relação à extrema-direita e ao fascismo?
As ruas. Esse é o campo que fortalece, o que fortalece a esquerda no eleger mais parlamentar. Até porque o processo para se eleger mais parlamentar não sai da luta parlamentar. Para a esquerda, o que pode, inclusive, fazer não só ela ter força social, e também com mini eleger parlamentares, é ela se fortalecer nas ruas, nas lutas populares.
Isso mostra a história, a própria história do atual presidente da República, Ela não vem pela conciliação que ele faz com o agronegócio e com os setores que traem permanentemente o povo brasileiro. Ela vem de uma história de greve, de mobilização, de uma das maiores ciclos de greve que nós tivemos na história do Brasil no ABC paulista, que o projetou para ser quem ele é. Então, nós precisamos olhar para isso. A questão das lutas sociais e dos enfrentamentos é que fortalece a esquerda historicamente.
E há um erro grave, portanto, de condução da esquerda nos últimos anos no Brasil. E nós, a UP, nasce criticando isso. E nós entendemos que aí, durante a campanha de 2022, como candidato à presidência, nós afirmávamos que existe um outro caminho que não a conciliação de classe, ou seja, esse caminho de governabilidade ligado aos partidos da direita ou da extrema-direita e falar que isso é um jeito de se governar, é até um jeito de se governar, mas quem governa efetivamente é a extrema-direita e o fascismo, que é esses que estão dando a linha, o agronegócio e tal, com mingalhas para a classe trabalhadora e para os povos. Então o que nós entendemos?
que é possível governar com a mobilização popular, com o povo. E além dos exemplos de mobilizações que eu já falei que sacudiram e podem sacudir o Brasil através das greves, eu vou dar um exemplo concreto que aconteceu esse ano. Se eu te perguntar, perguntar para vocês que estão aqui me entrevistando, qual foi a maior vitória popular que aconteceu sobre o fascismo, sobre a extrema direita no Brasil desde a eleição de 2022, pelo menos em todas as palestras que eu venho dado, os debates que eu tenho ido, eu tenho perguntado para as pessoas isso. E não sei se veio à cabeça de vocês qual foi essa grande vitória.
Porque nós acabamos, o que vem à cabeça das pessoas no último período foi o resultado eleitoral municipal, onde mais de 80% das prefeituras estão na mão de setores do centrão, que não tem nada de centro, volto a dizer, partido de direita ou dessa direita tradicional e da extrema direita fascista. Então, que vitória foi essa? Nós precisamos observar. Foi a luta das mulheres contra o PL-1904.
E olha, isso aqui, quem está nos assistindo reflita sobre isso. Foi um tema extremamente, que se diz que é extremamente delicado, que é falar de aborto. E o discurso é que a esquerda tem dificuldade de apresentar essas pautas, inclusive que não dá voto. Mas qual foi o resultado?
E vi parlamentares lamentáveis. Eu, como presidente nacional do partido, conversei com os parlamentares antes do processo eleitoral e achei parlamentares do campo da esquerda que estavam preocupados em ter que expor o seu voto, que a direita apresentou um pouco antes do processo eleitoral esse projeto de lei. e iam ter que expor seu voto, ou seja, favorável ao aborto, e isso era pra desgastar eles na campanha. E olha, a esquerda não tem que temer apresentar seu programa concreto.
Nós somos favor, sim, do aborto, e nós temos que falar. As mulheres feministas no Brasil não ficaram esperando ter maioria no Congresso Nacional, foram pra rua! Foram mobilizar. E outra, você não ajulga uma pauta em uma mobilização só pelo número de pessoas que estavam na rua, porque eu não sou o conjunto das mulheres brasileiras que foram pra rua.
Mas elas ganharam a opinião pública brasileira. Uma pesquisa da Folha de São Paulo, que nós aqui sabemos que não tem nada de esquerda, um jornal que está no outro campo, contrário ao nosso, eles fizeram uma pesquisa durante as mobilizações e atestaram que 70% das mulheres evangélicas estavam contra o projeto 1904, o PL1904. Então o que confirmou isso? Que a luta de rua ganhou, inclusive setores influenciados pelo lado de lá.
Percebam isso. E, centralmente, por que foi vitoriosa? Porque sem os parlamentares, que é isso que foi a realidade, os parlamentares que vieram, vieram a reboque da luta da rua. Essas feministas pautaram a sociedade e fizeram os fascistas engolir o projeto, rasgar e engolir aquele projeto, que criminalizava mais a mulher estuprada do que o estuprador.
Esse era o resultado do PL-1904. Ele saiu de pauta. Isso foi uma cabal vitória. Então eu quero reforçar, eu estou falando isso porque foi um setor da sociedade determinada que inverteu uma correlação de força naquele momento.
E as lutas pararam, porque também a influência desses setores da esquerda institucional foi para segurar e jogar para as eleições. Está errado, porque aquela massa que foi para a rua tinha disposição de dar continuidade. E nós precisamos disso no Brasil e acreditar nisso, porque isso foi um setor. Agora, imagine o presidente da República convocando esses setores populares a enfrentar os banqueiros no Brasil.
Em vez de fazer corte, como o governo está se propondo agora, pegar recursos que vão para os banqueiros e investir nas áreas sociais no Brasil, como na educação, como na saúde. E assim, gente, vamos parar de ilusão. Nós estamos numa democracia, como eu disse, burguesa. Não tem meio termo.
Vai ter que ter enfrentamento para ter direito social. Não há. E se não tiver, eles vão tirar de nós. E é isso que está acontecendo.
Nós estamos diante de um acirramento das contradições entre as classes sociais no Brasil. E as classes ricas estão armando uma nova ofensiva. Ainda mais… com a vitória no Norte, como foi falado, no país norte-americano, tem uma influência direta aqui.
Eles vão armar uma nova ofensiva. E, diante da ofensiva, o contrário ao fascismo não é a conciliação. É um setor que esteja à altura do enfrentamento, porque se radicalizou do lado de lá, o que vai resolver é radicalizar do lado de cá. Nós precisamos fazer isso.
E a única forma de derrotar esse radicalismo da extrema-direita é a classe trabalhadora nas ruas, que não vai atrás de qualquer chamado. Eu acho que as eleições, meus queridos, elas nos deram alguns recados importantes. Um deles, olhamos para a abstenção os votos brancos e nulos que superam todos os segundos turnos no Brasil. Vou dar um exemplo.
São Paulo. O candidato que venceu as eleições teve menos do que a somada abstenção voto branco e nulo. São mais de 3,6 milhões de pessoas só da maior cidade da América Latina que não concordaram com ninguém. Só uma coisa para pensar.
E se somar no Brasil, que são milhões de pessoas no país que não acreditaram em ninguém. Aí não é só indiferença, aí também tem ódio. Ódio ao ônibus lotado, ódio ao salário baixo, ódio ao desemprego, ódio ao calor, ódio às queimadas, ódio à violência policial, ódio ao racismo. Só tem que ir não canalizado.
E ódio não canalizado, e quem pode canalizar esse ódio? A esquerda com um programa radical. Se não fizer isso, o fascismo também pode canalizar, como historicamente já fez isso. Não é só aqui no Brasil.
A história e essa repetição aqui é uma tragédia que está acontecendo. Então nós precisamos nos alertar em torno de questões muito simples que eu tô falando aqui, mas que, infelizmente, não são a pauta central que tá sendo discutida nessa chamada esquerda institucional que tá aí.
Falando em relação a essas medidas do governo, o governo Lula 3 tem tomado algumas medidas que geraram críticas entre parte da esquerda, inclusive entre a própria esquerda petista, já que o ex-presidente do PT, o José Genoino, chamou a política econômica do ministro Fernando Haddad de neoliberal. E a presidenta atual do partido, Gleisi Hoffmann, também desceu críticas a como a política econômica tem sido levada a cabo. E qual que é a sua avaliação sobre a gestão do Lula, você já falou um pouco sobre isso, mas agora entrar mais nesse assunto, como você avalia essa administração do Lula e qual que é o diálogo da UP com os setores mais à esquerda do PT, do PSOL também, de partidos mais institucionais?
É, eu acho que o governo está errando. Está errando. Um exemplo que eu dou recente foi a greve nacional dos trabalhadores e trabalhadoras em educação, a nível federal, que o governo teve uma postura muito ruim, uma dificuldade de negociar, inclusive atacando a greve e tal, e esquecendo que aquela mobilização centralmente não era para derrubar o governo Lula. Aquela mobilização era para tirar dos banqueiros.
recurso para a educação, para melhorar a educação federal no Brasil e que precisa de muito investimento. Então, uma greve justa que teve parcialmente suas reivindicações atendidas, uma vitória parcial, importantíssima porque mostrou a força dos trabalhadores e trabalhadoras quando se mobiliza, mas ainda parcial. E disso aí nós podemos tirar outras avaliações como, por exemplo, o curso que está, esse ajuste fiscal que está se propondo a ser feito agora. Inclusive ele é um aprofundamento já do arcabouço fiscal, que na prática é um teto de gasto extremamente piorado.
Então veja que tipo de política econômica é essa que está sendo implementada. deve se escolher. Eu volto a dizer que não tem como governar para todo mundo, ainda mais numa crise econômica brutal que a gente vive a nível internacional do capitalismo. Então não há meio termo.
E o que nós apostamos e consideramos que esse próximo período, ele tem que ser marcado pela retomada das ruas, pelas mobilizações, E isso pode fazer com que a gente consiga derrotar a extrema-direita, enfraquecê-la e avançar com as pautas populares, sociais. Fiz aqui referência de revogação das reformas antipovo que o governo não mexeu. Eu faço outra referência que é a aplicação de medidas, inclusive, que foram feitas em governo do PT. O primeiro governo da Dilma fez a Comissão Nacional da Verdade.
Lá tem 29 recomendações que são extremamente importantes. Entre elas, dessa Comissão Nacional da Verdade, está lá a desmilitarização das polícias. E nós estamos vendo o governo aplicar um pacote de segurança que está reforçando As polícias, inclusive o armamento, a militarização, a ostensividade das polícias, como se isso fosse forma de resolver o problema da segurança pública no Brasil, e não é. Você quer resolver segurança pública à esquerda, você precisa fazer grande investimento em saúde.
Educação, emprego. Você tem que dar direito para as pessoas, senão isso não vai avançar. Vai reproduzir a mesma política de combate às drogas, que no final das contas vão criminalizar os moradores negros e das favelas, das periferias do país. E que efetivamente nenhuma favela produz cocaína, nenhuma favela produz crack.
Então por que as operações policiais vão pra favela? Elas tinham que pegar os helicópteros de cocaína, como da minha terra lá, a turma dos Perrella. Então, é muito sério. Não tem meio termo no debate que a gente está apresentando aqui.
Eu estou aqui no estado do Mato Grosso do Sul, estou estarrecido como os povos indígenas estão sendo tratados. Você tem o Ministério do Governo Federal que devia estar atuando, devia cair para dentro e impedir que os Guarani-Caiowás sejam massacrados do jeito que estão sendo. E as pessoas, eu sou idiota, sabe? Elas vão vendo isso.
Depois, essa turma vai criticar e falar que o pobre virou de direita. É isso que me indigna. É necessário política efetiva de esquerda. Ou seja, eu vi muita gente falando ultimamente que esse centro tem que parar de fazer política de direita e fazer a nossa política.
É isso que nós precisamos fazer. Então, nós consideramos que o centro está na mobilização, nas ruas, e nós temos que fazer essa retomada para não ficar olhando da janela, vendo o desfile da extrema-direita e do fascismo avançar no nosso país.
Para fechar, dentre os partidos cujo programa tem um direcionamento marxista, a UP é o que mais cresce. A que você atribui a esse crescimento?
Olha, se você olhar proporcionalmente, não é só entre a esquerda e a marxista. Proporcionalmente, a UP é o partido que mais cresceu entre todos os partidos de 2022 a 2024. Eu digo proporcionalmente pelo tamanho que nós tínhamos. e principalmente pelas, não só a proporcionalidade, mas as condições dadas também para que um partido consiga crescer.
Então nós estamos crescendo debaixo desse cerco midiático que eu já expliquei aqui, esse cerco institucional que eu já expliquei aqui. Então… torna tudo mais difícil para nós. Mas uma questão central é justamente desenvolvimento de lutas, a rearticulação desse trabalho de base, e não de uma forma etérea, assim, ficar fazendo o discurso porque ele é um discurso bonito, não.
Mas, para criar o Pena, já tivemos que fazer isso. E um trabalho de base significa estar nas periferias, estar na porta de fábrica que não deixou de existir. Eu faço isso aqui em Mato Grosso do Sul, houve um monte de fábrica. Para quem fala que isso não existe, tem várias aqui.
Um trabalho nas empresas, um trabalho também na porta das escolas, das universidades, um trabalho nas retomadas, nas aldeias, junto ao povo quilombola, indígena, enfim, você tem que fazer trabalho. E esse trabalho tem que ser um trabalho Diário, que nós costumamos dizer, diário, sistemático e constante. Por isso que é um trabalho coletivo, ele não é individual. É um trabalho coletivo, porque ninguém…
Eu sou presidente nacional da UP, eu não posso estar 24 horas por dia em uma ação. Agora, nosso partido coletivamente pode. E pode criar as condições se ainda não consegue. E isso se dá pela atuação dos núcleos de base.
E nós precisamos fortalecer muito isso no Brasil. E formar uma nova geração de militantes de rua. Menos do gabinete, menos do ar-condicionado e mais da rua. da favela, da porta da empresa, da agitação, aquele tribuno popular, sabe?
E que tenha condição de dialogar de igual para igual com meu irmão e minha irmã trabalhadora nesse país. Sem arrogância, sem querer dar aula, sabe? O povo… Não é isso.
O povo sabe o que fazer em muita coisa. O povo não é imbecil, porque toda derrota que essa esquerda institucional tem, ela fica falando que o povo é burro. Então, parar de culpar o povo e fazer o trabalho que tem que ser feito. É um trabalho difícil, lento.
que torna extremamente complexas determinadas ações, mas é necessário. Sem isso, nós não vamos ter condição de mudar essa correlação de força que existe no Brasil. E nós estamos com muita confiança, com muito otimismo, mesmo nessa situação eleitoral. que nós vimos no país, o que nós estamos vendo nas periferias, o que nós estamos vendo nas regiões que nós estamos indo, nas ações que nós estamos fazendo, nós estamos muito otimistas.
A luta contra as privatizações, que inclusive em São Paulo é uma ponta de lança importante que nós estamos atuando. As ações das retomadas indígenas e quilombolas que nós estamos procurando contribuir no Brasil inteiro. na rearticulação do movimento estudantil, na rearticulação do movimento sindical brasileiro, porque sem esse as coisas não se alteram. Enfim, nós estamos muito felizes e vendo no mundo um processo de acerramento das contradições entre as classes sociais e não de vitória absoluta da extrema-direita, que a grande mídia quer passar isso pra nós.
Veja o processo da França, veja na Inglaterra. Mas, Léo, você só falou da Europa, mas vamos olhar aqui para a América Latina, a resistência do povo venezuelano, a derrota do golpe na Bolívia, a vitória no México. Nós temos várias experiências muito importantes que estão acontecendo. Se tem essa mobilização das mulheres e da educação aqui no Brasil, tem muitas possibilidades e nós temos que olhar No meio do caos, da dificuldade, da aparente vitória e força do inimigo, nós temos que buscar as nossas, não entrar em desespero, não entrar em pânico, olhar para frente, desenvolver o trabalho que precisa ser feito e esse trabalho, esse povo está aí.
Nós não vamos criar outro povo para poder fazer essa revolução brasileira, nós temos que fazer com esse que está aí. E esse ódio precisa ser canalizado. E nós entendemos que o desenvolvimento disso tudo tem que culminar numa grande propaganda da luta pelo socialismo, pelo poder popular e pelo socialismo no Brasil.
Badaró: Passadas as eleições, uma das críticas que tem tomado as redes sociais é a de que a esquerda precisaria “se reconectar com as massas”. Em muitos casos, esse discurso parte para uma negação de pautas como gênero, diversidade e combate ao racismo. Você acha que o conservadorismo entre setores da própria esquerda pode enfraquecer um projeto de transformação radical da sociedade?
Eu acho que as eleições, meus queridos, elas nos deram alguns recados importantes. Um deles, olhamos para a abstenção. os votos brancos e nulos que superam todos os segundos turnos no Brasil. Vou dar um exemplo.
São Paulo. O candidato que venceu as eleições teve menos do que a somada abstenção voto branco e nulo. São mais de 3,6 milhões de pessoas só da maior cidade da América Latina que não concordaram com ninguém. Só uma coisa para pensar.
E se somar no Brasil, que são milhões de pessoas no país que não acreditaram em ninguém. Olha, eu acho que nós estamos num momento de profunda reflexão dos caminhos a seguir. E, na Unidade Popular, o que nos parece é que, na verdade, muito daquilo que foi abandonado é o caminho a ser seguido. E eu faço referência aqui principalmente às pautas de gênero, raciais, enfim, o conjunto das pautas que a gente chama de opressões, elas não atrapalham a luta, pelo contrário, elas fortalecem a luta, mas desde que elas estejam conectadas à luta de classes.
Para que a gente possa não se perder nas avaliações. Eu vi, por exemplo, gente que supostamente fala que luta contra o racismo, defender, por exemplo, a Kamala Harris e lamentá-la não ter vencido as eleições nos Estados Unidos. É não aprofundar na avaliação de entender que qualquer um dos dois que vencesse aquele processo eleitoral são partidos que continuariam a guerra, por exemplo, contra o povo palestino. E o que acontece contra o povo palestino é um caso de colonialismo e racismo.
Então eu não posso ter uma avaliação seletiva de luta contra o racismo supostamente no lugar para e nego e fecho os olhos para o outro. Então devem estar conectados a pautas importantes relativas à luta de classe. Então faço essa referência, mas poderiam ter muitas outras, porque se a gente simplesmente somente considerar, por exemplo, a questão racial, Nós podemos, por exemplo, nos perder em apoiar o Sérgio Camargo, que era presidente da Fundação Palmares durante o governo Bolsonaro, um preto retinto, mas que serve para potencializar o racismo e toda a violência que o povo negro sofre, porque capitão do mato nós sempre tivemos na história. Essas pautas têm que ter uma conexão.
E o trabalho popular, esse aí, nós não podemos deixar de fazer, sobretudo com a imensa maioria da população que é a classe trabalhadora da cidade do campo.
Pegando sse gancho, já que você falou da eleição nos Estados Unidos, com o retorno do Trump à presidência, você acha que fica como a relação entre o Brasil e os Estados Unidos? E você acha que esse retorno dele fortalece a extrema-direita a nível Olha, eu.
Acho que tende a ser o mesmo tipo de relação, que o centro dela é uma relação de submissão do nosso país aos Estados Unidos. Essa é a relação que eles têm conosco. E, infelizmente, Os governos, um atrás do outro, reforçam isso, mesmo alguns como o atual governo, que fazem um discurso aparentemente diferente, mas mantém essa dependência, uma vez que não rompe com questões fundamentais e centrais para que o nosso país possa ser independente. Eu estou falando aqui de a gente não ser um mero exportador de matéria-prima.
E os Estados Unidos nos vê assim. E nenhuma das duas que disputavam centralmente a presidência dos Estados Unidos tinha qualquer outro compromisso que não esse, tratar o nosso país como quintal deles, como sempre fizeram. É um país imperialista e um dos maiores inimigos dos povos que nós temos hoje no mundo, o principal inimigo é os Estados Unidos. Do ponto de vista de reforçar a ação da extrema-direita, sem dúvida nenhuma, embora também com o próprio Biden, nós não tivemos tantas diferenças assim, a política internacional deles é uma política de guerra, uma política de apoio a golpes, de violência, enfim, aquele nome democrata, nós não podemos achar que aquilo realmente Trata-se do processo eleitoral, mas um dos processos eleitorais que tem fachada democrática mais antidemocrática que nós temos no mundo.
Que é uma ditadura enorme dos grandes monopólios, dos grande capital e que fazem com que só dois partidos possam conseguir disputar a eleição. Existem vários, inclusive, outros candidatos à presidência da República, inclusive de esquerda, que não tem o menor espaço na grande mídia e nós sabemos que todo esse aparato institucional feito para impedir que haja uma real democracia popular está sendo feito no mundo inteiro. O neoliberalismo é uma das bases dele. É afastar as massas, a classe trabalhadora, os povos das decisões políticas e jogar esses setores a ultra exploração e opressão, esse é o plano do neoliberalismo e nos Estados Unidos isso é muito evidente.
Agora, a articulação direta de Trump com forças reacionárias, antipovo, de orientação fascista, ele mesmo é um nazi fascista. inclusive com várias declarações que mostram isso. Então, a política que nós temos que seguir é o combate permanente ao imperialismo norte-americano, a solidariedade aos povos que eles estão massacrando, seja o povo palestino, seja a intervenção na Ucrânia, apoiam e todos os processos de, inclusive, de submissão econômica, e não só no caso aqui do nosso país, mas da América Latina e de outras partes do mundo, e nós precisamos fazer a luta, inclusive, em conexão com a classe trabalhadora e os povos lá dos Estados Unidos, que tem muita coisa avançada. Já vimos lá o movimento Vidas Negras Importam, que foi determinante no momento anterior para a derrota do Trump, e não vai ser, com certeza, uma classe trabalhadora e um povo tão testado na luta, com certeza conseguirá desenvolver lutas importantes que podem abrir novos caminhos para os povos nesse próximo período.
A Unidade Popular tem no trabalho de base um dos seus principais focos de atuação, com uma forte ligação aos movimentos de moradia e ao movimento negro, por exemplo. como você avalia a cobrança por trabalho de base por parte de alguns setores da esquerda e como a UP tem atuado nesse tempo?
Olha, essa parte do trabalho de base é determinante e central, e você fez referência a dois espaços de atuação nossos importantes, a moradia, eu mesmo venho do movimento de luta nos bairros, vilas e favelas, inclusive faço parte, sou morador de ocupação, ajudo no processo de luta e de construção cotidiana também, sempre que posso, do movimento. Agora, nós entendemos que esses e outros trabalhos têm que estar conectados a um que é determinante e central para quem se propõe a superar o sistema capitalista, que é o trabalho junto à classe trabalhadora. Todo o discurso que as classes dominantes vêm fazendo nesses últimos anos e décadas é dizer que a classe trabalhadora, inclusive usando seus cientistas, seus grupos de pesquisa financiados pelos grandes monopólios, que a classe trabalhadora está deixando de existir. E aí eu quero citar dois exemplos recentes que eles são capazes para mostrar o contrário.
E o primeiro foi aquela luta um ano e quatro meses atrás, mais ou menos, que aconteceu na França, em Paris em especial, a greve dos Garis. Ali foi um momento extremamente importante de parte de uma jornada imensa de luta contra a reforma da Previdência por lá. E nós vimos uma greve pujante que leva aquela cidade da Torre Eiffel, de muitas belezas, com toneladas e toneladas de lixo. E aí eu quero fazer uma reflexão, por que que não pediram, já que a inteligência artificial está substituindo a classe trabalhadora, por que que ela não foi lá apanhar o lixo que estava no centro daquela cidade?
Mas eu tenho um outro exemplo muito recente, eu sou torcedor num clube do Galo, do Clube Atletico Mineiro, lá de Minas e tal, E aí, assisti o jogo da semana passada da Libertadores, na terça-feira, o Galo se classifica para a final, legal. E aí estava marcado um voo fretado para voltar de Buenos Aires, o monumental de Nunes, o jogo contra o River. Voltar de lá para Belo Horizonte, para quarta-feira, tinha uma decisão da Copa do Brasil no final de semana, o Galo só voltou na quinta. Por quê?
Porque tinha uma greve em geral acontecendo na Argentina. E os trabalhadores aeroviários aderiram a essa greve e não tinha mesmo um voo fretado, ou seja, com todo o dinheiro que o capital tenha, não tinha o piloto para decolar o avião. Não tinham os mecânicos para garantir que a manutenção estava ok para aquele avião decolar. Então, novamente, volto a dizer, e a inteligência artificial?
Por que ela não resolveu esse problema do avião levar os jogadores de volta? Então, é determinante. Há um tempo atrás, todos que estão nos assistindo devem se lembrar da greve dos caminhoneiros que nós tivemos no Brasil. Ah, Léo, mas ali era uma orientação à direita.
Eu não estou discutindo isso, eu estou discutindo a força dos trabalhadores e trabalhadoras. Uma categoria que parou. o estrago no bom sentido que ela faz no nosso país. Agora imaginem categorias, falam por exemplo das fábricas, as fábricas hoje não tem o menor sentido, para os metalúrgicos no Brasil para ver se não tem o menor sentido, sabe?
E junta isso aos caminhoneiros, junte isso a outras categorias, Então, a classe trabalhadora é determinante. Infelizmente, boa parte da classe trabalhadora está sob influência de um movimento sindical que abandonou o que é o mais importante para os trabalhadores, o maior instrumento, a maior forma de luta mais desenvolvida pela classe trabalhadora, chamada greve. Esse é o maior instrumento de luta e mais atual. Então, nós consideramos que nós precisamos dar um novo impulso no movimento sindical e nas lutas da classe trabalhadora para esse próximo período.
Inclusive, aquela que não tem carteira assinada, que não tem vínculo empregatício, mas não deixa de ser trabalhador e trabalhadora. Inclusive, formam grande exército ou de reserva ou estão cumprindo funções que não a impedem de vender sua força de trabalho para poder viver. Portanto, trabalhadores e trabalhadoras, e nós da esquerda, precisamos saber atuar, inclusive para desenvolver lutas importantes que, na nossa opinião, passam pela revogação da reforma trabalhista, da Previdência, passam por uma nova ofensiva dos trabalhadores e trabalhadoras em torno de direitos, em torno nas cidades, nas áreas urbanas. Nós vivemos eleições municipais nesse último período que não debateram temas centrais como, por exemplo, a municipalização dos sistemas de transporte, uma vez que falhou.
Deu errado, esse sistema de transporte está na mão dos setores privados. E quem é humilhado no transporte coletivo hoje são esses trabalhadores e trabalhadoras. Então, nós temos um conjunto de medidas que são pautas, que parte de um programa efetivamente de esquerda, que não estão sendo aplicados. Então, fica difícil também a gente ter essa resposta sem que efetivamente o programa efetivo da esquerda se apresente, se coloque para milhões e milhões de pessoas para que essa mobilização possa surtir um efeito efetivo de transformações sociais, que é o único jeito que nós acreditamos efetivamente dessas transformações é com a mobilização popular.
E esse contingente dos trabalhadores e trabalhadoras que superlota as grandes cidades do Brasil é determinante para essas mudanças acontecerem.
Concentrado na disputa eleitoral. No entanto, levando em consideração a importância de cargos eleitivos para realizar alguns avanços, impedir retrocesso, qual tem sido a estratégia do partido em relação às eleições e quais as perspectivas para 2026?
Quando você fala que não está no centro nossa a questão das eleições, mas tem um motivo central, porque as eleições não resolvem os problemas centrais da sociedade. Quais seriam eles? Um deles é a gente decidir, por exemplo, se os ricos vão continuar mandando na sociedade. Isso não é debatido em nenhum processo eleitoral.
No entanto, eles com poder econômico mandam na política. Então, nós precisamos ir mais fundo. As eleições não vão fazer isso. Agora, a nossa atuação no processo eleitoral, a gente acha importante do ponto de vista da apresentação das nossas ideias.
E pra gente chegar mais longe, eu fui candidato à presidência da República em 2022, por exemplo, e foi… um momento de extrema importância para que a gente apresentasse o nosso programa, que é um programa de esquerda efetivo, popular, de enfrentamento ao grande capital. E que não é um programa só da unidade popular, mas um programa gerado nas lutas históricas da classe trabalhadora e, na nossa opinião, a única forma de resolver os graves problemas que nós vivemos. Agora, eu também quero ressaltar que o processo eleitoral está, no Brasil, muito inspirado, eu acho, nesse modelo norte-americano de centralização do poder e de diminuição já da frágil democracia burguesa, porque essa é uma democracia capitalista, dos grandes monopólios, portanto uma democracia burguesa, nunca nos esqueçamos disso.
E isso não é o mais avançado de democracia que nós podemos ter no mundo. Os povos já geraram outras formas muito mais avançadas de democracia popular. E toda vez que falar em democracia, pergunte para quem? Então eu estou falando de democracia para a maioria, para aqueles que produzem as riquezas, para os povos.
Esses é que nós estamos discutindo essa democracia. E a unidade popular sofre um cerco midiático impressionante. Tem uma legislação feita no Brasil, a partir de 2015, chamada Cláusula de Barreira, que ela impede que novos partidos, ou que não tenham representação no Congresso Nacional, tenham tempo de TV, no horário eleitoral gratuito, de rádio, contem com fundo partidário, e principalmente desobriga esses grandes monopólios da comunicação a nos convidar para os debates. Dessa forma, torna extremamente difícil que a gente se apresente para a sociedade.
Mesmo assim, a unidade popular vem avançando muito, usando formas alternativas e, principalmente, as formas que nós entendemos que são concretas, que é a velha e boa agitação e propaganda, ou seja, o trabalho de rua, o trabalho de panfletagem, o trabalho de agitação, de convocação das pessoas, de denúncia dos problemas do sistema e convocação das pessoas para lutar, para modificar isso.
Tem vários mecanismos, mas nós entendemos que nós precisamos pressionar, inclusive o TSE, o Congresso Nacional, para que haja essas alterações que estão caminhando no sentido de diminuir os partidos populares e, na verdade, essa legislação, quando implantada, disse que queria acabar com a fisiologia no movimento e na política. Na prática, ela está fortalecendo o chamado centrão, que de centro não tem nada, são partidos de direita, e está tornando as campanhas eleitorais cada dia mais caras. Agora, veja-se que há um movimento seletivo também, porque tem partidos, por exemplo, que não tinham, não contavam com a obrigatoriedade das emissoras chamarem.
Em São Paulo, por exemplo, chamaram o candidato simplesmente porque é fascista e rico. Esse foi o critério que nós chegamos à conclusão de por que ele foi chamado. Aí é fácil se tornar uma referência no processo com o tamanho e espaço que teve para poder falar, enquanto as nossas candidaturas não foram chamadas. E, infelizmente, a grande imprensa está super concentrada no Brasil, na mão dos grandes monopólios capitalistas, muito ricos, de bilionários.
Tem um bloco que nós precisamos rompê-lo e trabalhamos neste sentido. E nós consideramos também como centro dessa atuação a luta pelo socialismo, por uma nova sociedade. Nós não podemos ter defensivo em apresentar para o conjunto da classe trabalhadora e dos povos que esse anseio que eles têm de ter educação de qualidade, ter um país com condições mínimas das pessoas andarem na rua e não serem assaltadas, e elas terem direitos e não sofrerem violências, e um país que elas têm acesso à saúde. Esse tipo de país feito no socialismo.
Todas as grandes experiências socialistas do mundo garantiram isso em abundância para as pessoas e são os anseios que o povo brasileiro mais tem. Saúde, educação e segurança. Então, são políticas que o socialismo pode cumprir, implementar, ainda mais num país tão rico como o Brasil. E a unidade popular tem um compromisso de avançar essas lutas e entende que para fazer isso, isso não é realizado por um partido, mas pelos povos em luta, por milhões e milhões de pessoas.
Nós estamos falando de um outro tipo de sociedade que nós possamos ser donos das riquezas, porque nós geramos as riquezas e meia dúzia que se apropriam, menos de 1% da população que realmente se apropria dessas riquezas, os bilionários, os muito ricos, E, enquanto isso, você tem milhões de pessoas que passam fome, estão desempregadas, que não têm seus direitos mínimos garantidos e nós precisamos modificar essa situação, inclusive inspirado nos nossos povos originários aqui.
Quando o Brasil foi invadido pelos europeus, nós já vivemos essa experiência aqui. Os povos que aqui estavam eram milhares… milhões de pessoas viviam nesse território, que nem se chamava Brasil, se chamava Pindorama, e essas pessoas aqui não se conheciam, o que era fome social, o que era miséria, eram povos que o invasor disse que eram atrasados, mas que já tinham cidades aqui extremamente populosas, inclusive com maior população do que na Europa, das grandes cidades deles, e que não poluíam seus rios, por exemplo, e tinham saneamento básico, Povos que já tomavam banho todo dia, que escovavam os dentes, enfim.
E que produziam alimentos sem agrotóxicos e já atendiam milhões e milhões de pessoas. Então, veja-se que algumas das tecnologias que nós precisamos implementar no nosso país não precisam ser inventadas, não precisamos inclusive voltar para as tecnologias ancestrais, somadas ao conhecimento que a classe trabalhadora traz, nós podemos fazer um paraíso na Terra nessa pátria maravilhosa nossa, mas para isso nós temos que tirar os ricos do comando, do poder, porque nosso país deu muita coisa errada. Tem uma coisa que ela é muito correta, é o povo brasileiro, e com esse nós vamos reorganizar esse país para que ele sirva, efetivamente essas riquezas sirvam para o interesse da imensa maioria.
Você citou indiretamente o Pablo Marçal pegando esse gancho, você acha que com o desempenho expressivo que ele teve para a Prefeitura de São Paulo ele pode ser o nome da extrema direita para substituir Jair Bolsonaro já em 2025?
Olha, eu não tô muito preocupado com o nome da extrema-direita, sinceramente. Eu tô preocupado com a força que a esquerda terá para derrotar a extrema-direita no Brasil. E acho que a gente precisa pensar isso. E isso não se dará se ficar só no jogo institucional.
Nós precisamos desencadear lutas, mobilizações de rua. Tem um lugar que nós somos superiores e nós precisamos olhar para o problema concreto e eu quero dar um exemplo cabal, importantíssimo, que nós vimos nesse último período. Tem-se um discurso desse setor, dessa chamada esquerda institucional, ou social-democrata, de que nós temos que trabalhar para ter maioria no Congresso Nacional. Eu acho que, às vezes, é por oportunismo ou por desconhecimento completo do que significa uma democracia burguesa, que eu já fiz referência aqui.
Quando que a esquerda efetivamente vai ter maioria no Congresso Nacional? Acho pouco provável. Não falar impossível, mas pouco provável. Depende de uma conjuntura, de uma situação concreta.
Na Venezuela foi possível fazer isso durante um tempo ainda com Hugo Chávez, mas em cima de uma situação muito concreta, onde se derrotou efetivamente durante quatro, cinco anos, a direita não tinha nenhum espaço e a esquerda teve imensa maioria. Mas isso são casos muito raros. Agora, a referência que eu tô fazendo. Então, qual é a vantagem que nós temos em relação à extrema-direita e ao fascismo?
As ruas. Esse é o campo que fortalece, o que fortalece a esquerda no eleger mais parlamentar. Até porque o processo para se eleger mais parlamentar não sai da luta parlamentar. Para a esquerda, o que pode, inclusive, fazer não só ela ter força social, e também com mini eleger parlamentares, é ela se fortalecer nas ruas, nas lutas populares.
Isso mostra a história, a própria história do atual presidente da República, Ela não vem pela conciliação que ele faz com o agronegócio e com os setores que traem permanentemente o povo brasileiro. Ela vem de uma história de greve, de mobilização, de uma das maiores ciclos de greve que nós tivemos na história do Brasil no ABC paulista, que o projetou para ser quem ele é. Então, nós precisamos olhar para isso. A questão das lutas sociais e dos enfrentamentos é que fortalece a esquerda historicamente.
E há um erro grave, portanto, de condução da esquerda nos últimos anos no Brasil. E nós, a UP, nasce criticando isso. E nós entendemos que aí, durante a campanha de 2022, como candidato à presidência, nós afirmávamos que existe um outro caminho que não a conciliação de classe, ou seja, esse caminho de governabilidade ligado aos partidos da direita ou da extrema-direita e falar que isso é um jeito de se governar, é até um jeito de se governar, mas quem governa efetivamente é a extrema-direita e o fascismo, que é esses que estão dando a linha, o agronegócio e tal, com mingalhas para a classe trabalhadora e para os povos. Então o que nós entendemos?
que é possível governar com a mobilização popular, com o povo. E além dos exemplos de mobilizações que eu já falei que sacudiram e podem sacudir o Brasil através das greves, eu vou dar um exemplo concreto que aconteceu esse ano. Se eu te perguntar, perguntar para vocês que estão aqui me entrevistando, qual foi a maior vitória popular que aconteceu sobre o fascismo, sobre a extrema direita no Brasil desde a eleição de 2022, pelo menos em todas as palestras que eu venho dado, os debates que eu tenho ido, eu tenho perguntado para as pessoas isso. E não sei se veio à cabeça de vocês qual foi essa grande vitória.
Porque nós acabamos, o que vem à cabeça das pessoas no último período foi o resultado eleitoral municipal, onde mais de 80% das prefeituras estão na mão de setores do centrão, que não tem nada de centro, volto a dizer, partido de direita ou dessa direita tradicional e da extrema direita fascista. Então, que vitória foi essa? Nós precisamos observar. Foi a luta das mulheres contra o PL-1904.
E olha, isso aqui, quem está nos assistindo reflita sobre isso. Foi um tema extremamente, que se diz que é extremamente delicado, que é falar de aborto. E o discurso é que a esquerda tem dificuldade de apresentar essas pautas, inclusive que não dá voto. Mas qual foi o resultado?
E vi parlamentares lamentáveis. Eu, como presidente nacional do partido, conversei com os parlamentares antes do processo eleitoral e achei parlamentares do campo da esquerda que estavam preocupados em ter que expor o seu voto, que a direita apresentou um pouco antes do processo eleitoral esse projeto de lei. e iam ter que expor seu voto, ou seja, favorável ao aborto, e isso era pra desgastar eles na campanha. E olha, a esquerda não tem que temer apresentar seu programa concreto.
Nós somos favor, sim, do aborto, e nós temos que falar. As mulheres feministas no Brasil não ficaram esperando ter maioria no Congresso Nacional, foram pra rua! Foram mobilizar. E outra, você não ajulga uma pauta em uma mobilização só pelo número de pessoas que estavam na rua, porque eu não sou o conjunto das mulheres brasileiras que foram pra rua.
Mas elas ganharam a opinião pública brasileira. Uma pesquisa da Folha de São Paulo, que nós aqui sabemos que não tem nada de esquerda, um jornal que está no outro campo, contrário ao nosso, eles fizeram uma pesquisa durante as mobilizações e atestaram que 70% das mulheres evangélicas estavam contra o projeto 1904, o PL1904. Então o que confirmou isso? Que a luta de rua ganhou, inclusive setores influenciados pelo lado de lá.
Percebam isso. E, centralmente, por que foi vitoriosa? Porque sem os parlamentares, que é isso que foi a realidade, os parlamentares que vieram, vieram a reboque da luta da rua. Essas feministas pautaram a sociedade e fizeram os fascistas engolir o projeto, rasgar e engolir aquele projeto, que criminalizava mais a mulher estuprada do que o estuprador.
Esse era o resultado do PL-1904. Ele saiu de pauta. Isso foi uma cabal vitória. Então eu quero reforçar, eu estou falando isso porque foi um setor da sociedade determinada que inverteu uma correlação de força naquele momento.
E as lutas pararam, porque também a influência desses setores da esquerda institucional foi para segurar e jogar para as eleições. Está errado, porque aquela massa que foi para a rua tinha disposição de dar continuidade. E nós precisamos disso no Brasil e acreditar nisso, porque isso foi um setor. Agora, imagine o presidente da República convocando esses setores populares a enfrentar os banqueiros no Brasil.
Em vez de fazer corte, como o governo está se propondo agora, pegar recursos que vão para os banqueiros e investir nas áreas sociais no Brasil, como na educação, como na saúde. E assim, gente, vamos parar de ilusão. Nós estamos numa democracia, como eu disse, burguesa. Não tem meio termo.
Vai ter que ter enfrentamento para ter direito social. Não há. E se não tiver, eles vão tirar de nós. E é isso que está acontecendo.
Nós estamos diante de um acirramento das contradições entre as classes sociais no Brasil. E as classes ricas estão armando uma nova ofensiva. Ainda mais… com a vitória no Norte, como foi falado, no país norte-americano, tem uma influência direta aqui.
Eles vão armar uma nova ofensiva. E, diante da ofensiva, o contrário ao fascismo não é a conciliação. É um setor que esteja à altura do enfrentamento, porque se radicalizou do lado de lá, o que vai resolver é radicalizar do lado de cá. Nós precisamos fazer isso.
E a única forma de derrotar esse radicalismo da extrema-direita é a classe trabalhadora nas ruas, que não vai atrás de qualquer chamado. Eu acho que as eleições, meus queridos, elas nos deram alguns recados importantes. Um deles, olhamos para a abstenção os votos brancos e nulos que superam todos os segundos turnos no Brasil. Vou dar um exemplo.
São Paulo. O candidato que venceu as eleições teve menos do que a somada abstenção voto branco e nulo. São mais de 3,6 milhões de pessoas só da maior cidade da América Latina que não concordaram com ninguém. Só uma coisa para pensar.
E se somar no Brasil, que são milhões de pessoas no país que não acreditaram em ninguém. Aí não é só indiferença, aí também tem ódio. Ódio ao ônibus lotado, ódio ao salário baixo, ódio ao desemprego, ódio ao calor, ódio às queimadas, ódio à violência policial, ódio ao racismo. Só tem que ir não canalizado.
E ódio não canalizado, e quem pode canalizar esse ódio? A esquerda com um programa radical. Se não fizer isso, o fascismo também pode canalizar, como historicamente já fez isso. Não é só aqui no Brasil.
A história e essa repetição aqui é uma tragédia que está acontecendo. Então nós precisamos nos alertar em torno de questões muito simples que eu tô falando aqui, mas que, infelizmente, não são a pauta central que tá sendo discutida nessa chamada esquerda institucional que tá aí.
Falando em relação a essas medidas do governo, o governo Lula 3 tem tomado algumas medidas que geraram críticas entre parte da esquerda, inclusive entre a própria esquerda petista, já que o ex-presidente do PT, o José Genoino, chamou a política econômica do ministro Fernando Haddad de neoliberal. E a presidenta atual do partido, Gleisi Hoffmann, também desceu críticas a como a política econômica tem sido levada a cabo. E qual que é a sua avaliação sobre a gestão do Lula, você já falou um pouco sobre isso, mas agora entrar mais nesse assunto, como você avalia essa administração do Lula e qual que é o diálogo da UP com os setores mais à esquerda do PT, do PSOL também, de partidos mais institucionais?
É, eu acho que o governo está errando. Está errando. Um exemplo que eu dou recente foi a greve nacional dos trabalhadores e trabalhadoras em educação, a nível federal, que o governo teve uma postura muito ruim, uma dificuldade de negociar, inclusive atacando a greve e tal, e esquecendo que aquela mobilização centralmente não era para derrubar o governo Lula. Aquela mobilização era para tirar dos banqueiros.
recurso para a educação, para melhorar a educação federal no Brasil e que precisa de muito investimento. Então, uma greve justa que teve parcialmente suas reivindicações atendidas, uma vitória parcial, importantíssima porque mostrou a força dos trabalhadores e trabalhadoras quando se mobiliza, mas ainda parcial. E disso aí nós podemos tirar outras avaliações como, por exemplo, o curso que está, esse ajuste fiscal que está se propondo a ser feito agora. Inclusive ele é um aprofundamento já do arcabouço fiscal, que na prática é um teto de gasto extremamente piorado.
Então veja que tipo de política econômica é essa que está sendo implementada. deve se escolher. Eu volto a dizer que não tem como governar para todo mundo, ainda mais numa crise econômica brutal que a gente vive a nível internacional do capitalismo. Então não há meio termo.
E o que nós apostamos e consideramos que esse próximo período, ele tem que ser marcado pela retomada das ruas, pelas mobilizações, E isso pode fazer com que a gente consiga derrotar a extrema-direita, enfraquecê-la e avançar com as pautas populares, sociais. Fiz aqui referência de revogação das reformas antipovo que o governo não mexeu. Eu faço outra referência que é a aplicação de medidas, inclusive, que foram feitas em governo do PT. O primeiro governo da Dilma fez a Comissão Nacional da Verdade.
Lá tem 29 recomendações que são extremamente importantes. Entre elas, dessa Comissão Nacional da Verdade, está lá a desmilitarização das polícias. E nós estamos vendo o governo aplicar um pacote de segurança que está reforçando As polícias, inclusive o armamento, a militarização, a ostensividade das polícias, como se isso fosse forma de resolver o problema da segurança pública no Brasil, e não é. Você quer resolver segurança pública à esquerda, você precisa fazer grande investimento em saúde.
Educação, emprego. Você tem que dar direito para as pessoas, senão isso não vai avançar. Vai reproduzir a mesma política de combate às drogas, que no final das contas vão criminalizar os moradores negros e das favelas, das periferias do país. E que efetivamente nenhuma favela produz cocaína, nenhuma favela produz crack.
Então por que as operações policiais vão pra favela? Elas tinham que pegar os helicópteros de cocaína, como da minha terra lá, a turma dos Perrella. Então, é muito sério. Não tem meio termo no debate que a gente está apresentando aqui.
Eu estou aqui no estado do Mato Grosso do Sul, estou estarrecido como os povos indígenas estão sendo tratados. Você tem o Ministério do Governo Federal que devia estar atuando, devia cair para dentro e impedir que os Guarani-Caiowás sejam massacrados do jeito que estão sendo. E as pessoas, eu sou idiota, sabe? Elas vão vendo isso.
Depois, essa turma vai criticar e falar que o pobre virou de direita. É isso que me indigna. É necessário política efetiva de esquerda. Ou seja, eu vi muita gente falando ultimamente que esse centro tem que parar de fazer política de direita e fazer a nossa política.
É isso que nós precisamos fazer. Então, nós consideramos que o centro está na mobilização, nas ruas, e nós temos que fazer essa retomada para não ficar olhando da janela, vendo o desfile da extrema-direita e do fascismo avançar no nosso país.
Para fechar, dentre os partidos cujo programa tem um direcionamento marxista, a UP é o que mais cresce. A que você atribui a esse crescimento?
Olha, se você olhar proporcionalmente, não é só entre a esquerda e a marxista. Proporcionalmente, a UP é o partido que mais cresceu entre todos os partidos de 2022 a 2024. Eu digo proporcionalmente pelo tamanho que nós tínhamos. e principalmente pelas, não só a proporcionalidade, mas as condições dadas também para que um partido consiga crescer.
Então nós estamos crescendo debaixo desse cerco midiático que eu já expliquei aqui, esse cerco institucional que eu já expliquei aqui. Então… torna tudo mais difícil para nós. Mas uma questão central é justamente desenvolvimento de lutas, a rearticulação desse trabalho de base, e não de uma forma etérea, assim, ficar fazendo o discurso porque ele é um discurso bonito, não.
Mas, para criar o Pena, já tivemos que fazer isso. E um trabalho de base significa estar nas periferias, estar na porta de fábrica que não deixou de existir. Eu faço isso aqui em Mato Grosso do Sul, houve um monte de fábrica. Para quem fala que isso não existe, tem várias aqui.
Um trabalho nas empresas, um trabalho também na porta das escolas, das universidades, um trabalho nas retomadas, nas aldeias, junto ao povo quilombola, indígena, enfim, você tem que fazer trabalho. E esse trabalho tem que ser um trabalho Diário, que nós costumamos dizer, diário, sistemático e constante. Por isso que é um trabalho coletivo, ele não é individual. É um trabalho coletivo, porque ninguém…
Eu sou presidente nacional da UP, eu não posso estar 24 horas por dia em uma ação. Agora, nosso partido coletivamente pode. E pode criar as condições se ainda não consegue. E isso se dá pela atuação dos núcleos de base.
E nós precisamos fortalecer muito isso no Brasil. E formar uma nova geração de militantes de rua. Menos do gabinete, menos do ar-condicionado e mais da rua. da favela, da porta da empresa, da agitação, aquele tribuno popular, sabe?
E que tenha condição de dialogar de igual para igual com meu irmão e minha irmã trabalhadora nesse país. Sem arrogância, sem querer dar aula, sabe? O povo… Não é isso.
O povo sabe o que fazer em muita coisa. O povo não é imbecil, porque toda derrota que essa esquerda institucional tem, ela fica falando que o povo é burro. Então, parar de culpar o povo e fazer o trabalho que tem que ser feito. É um trabalho difícil, lento.
que torna extremamente complexas determinadas ações, mas é necessário. Sem isso, nós não vamos ter condição de mudar essa correlação de força que existe no Brasil. E nós estamos com muita confiança, com muito otimismo, mesmo nessa situação eleitoral. que nós vimos no país, o que nós estamos vendo nas periferias, o que nós estamos vendo nas regiões que nós estamos indo, nas ações que nós estamos fazendo, nós estamos muito otimistas.
A luta contra as privatizações, que inclusive em São Paulo é uma ponta de lança importante que nós estamos atuando. As ações das retomadas indígenas e quilombolas que nós estamos procurando contribuir no Brasil inteiro. na rearticulação do movimento estudantil, na rearticulação do movimento sindical brasileiro, porque sem esse as coisas não se alteram. Enfim, nós estamos muito felizes e vendo no mundo um processo de acerramento das contradições entre as classes sociais e não de vitória absoluta da extrema-direita, que a grande mídia quer passar isso pra nós.
Veja o processo da França, veja na Inglaterra. Mas, Léo, você só falou da Europa, mas vamos olhar aqui para a América Latina, a resistência do povo venezuelano, a derrota do golpe na Bolívia, a vitória no México. Nós temos várias experiências muito importantes que estão acontecendo. Se tem essa mobilização das mulheres e da educação aqui no Brasil, tem muitas possibilidades e nós temos que olhar No meio do caos, da dificuldade, da aparente vitória e força do inimigo, nós temos que buscar as nossas, não entrar em desespero, não entrar em pânico, olhar para frente, desenvolver o trabalho que precisa ser feito e esse trabalho, esse povo está aí.
Nós não vamos criar outro povo para poder fazer essa revolução brasileira, nós temos que fazer com esse que está aí. E esse ódio precisa ser canalizado. E nós entendemos que o desenvolvimento disso tudo tem que culminar numa grande propaganda da luta pelo socialismo, pelo poder popular e pelo socialismo no Brasil.