O declínio do bolsonarismo e o surgimento de algo pior

A candidatura de Pablo Marçal, tanto no campo eleitoral quanto no âmbito de disputa de bases, mostra que o bolsonarismo não é tão sólido quanto se poderia supor

Por Vitória Regina
Arte por Maria Fernanda Figueiró

Após 28 anos desempenhando um papel insignificante como deputado federal, Jair Bolsonaro começou a ganhar visibilidade no cenário nacional através de programas como CQC e SuperPop. Muitos consideravam improvável que uma figura tão controversa pudesse conquistar maior destaque e, eventualmente, cogitar a candidatura à presidência. No entanto, foi exatamente o que ocorreu. Mesmo sem uma base política sólida e sem recorrer a estratégias tradicionais de mobilização popular, como passeatas e comícios, Bolsonaro foi gradualmente ganhando espaço, impulsionado por sua promessa de “mudar tudo que estava aí” e pelo apoio aos saudosistas da ditadura.

O governo Bolsonaro testou os limites de uma sociedade inserida em uma democracia burguesa. Em meio a uma pandemia devastadora, marcada por uma postura negacionista do presidente, o país viu-se forçado a enterrar mais de 700 mil pessoas. Apesar das múltiplas tentativas de golpe e de subverter a ordem democrática, Bolsonaro não retornou ao poder. Contudo, evidenciou, de forma inegável, as fragilidades intrínsecas à essa democracia. Durante esse período de ataques às instituições, muitos se apegaram à crença de que os juristas seriam os guardiões que nos protegeriam da barbárie.

Em 30 de junho de 2023, por decisão majoritária, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou Jair Bolsonaro inelegível por um período de oito anos. Embora esteja impossibilitado de disputar cargos políticos, Bolsonaro permanece uma figura influente e poderá desempenhar um papel significativo nas campanhas de candidatos alinhados à direita e extrema direita. Assim, ele passa a ser cobiçado por diversos candidatos, utilizando sua popularidade para estabelecer exigências àqueles que buscam o apoio de sua imagem.

As eleições municipais de São Paulo, a maior capital do país, têm sido um termômetro da influência que a figura de Jair Bolsonaro ainda exerce. Ricardo Nunes, em busca de sua reeleição, tenta se posicionar como um reflexo do ex-presidente. No entanto, a candidatura de Pablo Marçal, tanto no campo eleitoral quanto no âmbito de disputa de bases, mostra que o bolsonarismo não é tão sólido quanto se poderia supor.

Enquanto Bolsonaro tentou se consolidar como um mito, Marçal constrói sua imagem quase como a de uma divindade. O coach acredita possuir habilidades capazes de operar milagres, como evidenciado nos episódios em que tentou fazer com que duas pessoas em cadeiras de rodas recuperassem o uso das pernas, bem como nas ocasiões em que, em dois velórios, tentou ressuscitar os mortos.

 

Arte: Maria Fernanda Figueiró

A hegemonia de Jair Bolsonaro parecia incontestável, dada a consolidação da extrema direita em torno do conceito de bolsonarismo — que é, inclusive, muito amplo. Todavia, Pablo Marçal vem com um discurso renovado de “mudar tudo que está aí”, incluindo o próprio Bolsonaro como parte do establishment que precisa ser superado. Em um vídeo gravado em um story de sua conta reserva no Instagram, disponibilizado no dia 9 de setembro de 2024, ao ser questionado sobre a falta de apoio de Bolsonaro, apesar de compartilharem os mesmos princípios da direita, Marçal afirmou que Bolsonaro está fechado com Valdemar [Costa Neto], mencionando o envolvimento do presidente do PL no escândalo do mensalão. Além disso, reforçou que Bolsonaro está alinhado com o centrão e que o ex-presidente “tem as mãos atadas”. Dessa maneira, Marçal se projeta na figura de todo poderoso, enfraquecendo a do ex-presidente. Posteriormente, Marçal chegou a afirmar que Bolsonaro se curvou para o comunismo.

Ideologicamente, a extrema direita brasileira gravitava em torno do bolsonarismo. Contudo, Marçal não parece disposto a permanecer sob um guarda-chuva conceitual que carrega o nome de outra figura. Extremamente ativo nas redes sociais, Pablo já começa a colher os frutos da fragilidade do bolsonarismo. Prova disso é a transformação de diversos grupos em plataformas como WhatsApp, Telegram e Facebook, antes dedicados ao ex-presidente, que agora estão migrando seu apoio para Pablo Marçal. O Intercept Brasil mostrou que páginas com mais de 1,2 milhão de usuários ativos, que anteriormente apoiavam Bolsonaro, agora passaram a dedicar seu apoio a Marçal.

Se houver um segundo turno na eleição em São Paulo, com Guilherme Boulos e Ricardo Nunes como candidatos, Bolsonaro poderá ainda se considerar a liderança da extrema direita no Brasil. No entanto, se Pablo Marçal alcançar o segundo turno ou vencer a eleição, Bolsonaro estará em risco de perder tal posição. Essa ameaça parece evidente para o clã bolsonarista, que tem travado uma guerra contra Marçal. Bolsonaro representa o anticomunista clássico, que recorre a jargões da Guerra Fria para atrair seu público. Pablo Marçal, embora também anticomunista, evolui seu discurso em direção à prosperidade. Em vez de apenas afirmar que a esquerda odeia os ricos, Marçal apela ao imaginário daqueles que acreditam que a riqueza e o sucesso são uma questão meritocrática. O ex-presidente pode manter uma parcela do eleitorado mais conservador e focado em questões morais, mas a tendência é que Pablo Marçal atraia aqueles interessados em empreendedorismo e conquiste o apoio dos jovens.

Pablo Marçal e Jair Bolsonaro são figuras políticas que, apesar de defesas em comum, seguem estratégias distintas de atuação. A ascensão de Marçal evidencia que a atenção não deve se restringir apenas a quem ocupa o cargo de representante ideológico, mas também aos projetos da extrema direita no país — que tem conquistado cada vez mais espaço e se tornado progressivamente mais perigoso.

Vitória Regina

Marxista e psicóloga. Debate política, psicologia e cultura.

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