Poética diaspórica entre muros, roupas e manguezal

A construção de identidade negra é central na criação de Larissa Vieira. Sua poética em diáspora perpassa os mais diversos formatos, nos quais é construído e reconstruído de forma sensível o “Mundo Negro”

Por Carolina de Mendonça 

A artista visual Larissa Vieira começou a criar o seu Mundo Negro ainda em sua infância. Nesta época, ela já se interessava por desenhar e começou a criar histórias em quadrinhos autorais com personagens negros. Seus enredos não tinham como personagens super-heróis ou outros seres fantásticos, mas pessoas comuns vivendo um cotidiano similar ao dela.

Na adolescência, Larissa passou a aprender outras técnicas artísticas, como a serigrafia (técnica de impressão comum a estamparia), como também costumava estudar desenhos através de revista e chegou a fazer cursos livres na Escola de Artes Valdice Teles na cidade de Aracaju, em Sergipe. A artista contou à Badaró que esse caminho de estudos iniciais deu base para que ela começasse seus processos investigativos e experimentais na ilustração.

Ela estudou Artes Visuais na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e nos conta que, dentro da academia, teve alguns embates com sua grade curricular. “Muitos conteúdos eurocêntricos e que não dialogam com a minha realidade e existência”, relata. Porém, dentro desse espaço também foi possível ter mais contato com a arte afro-brasileira – esta que ela escolheu para pesquisar em seu trabalho de conclusão de curso. Inspirada nos geometrismos da arte das máscaras africanas,  Larissa desenvolveu sua técnica artística para a criação de personagens de seu mundo.

Também durante a graduação, a artista teve outras experiências importantes em sua formação, como a de docência de Arte em estágio, que a fizeram perceber outra ótica da Educação e  do sistema de ensino. Larissa também atuou na monitoria da exposição O Grande Veleiro, em 2017, que trouxe a Aracaju as obras do artista plástico sergipano Arthur Bispo do Rosário, que utilizou de sucata e bordados para criar artes que construíam um mundo póstumo.

Na criação do mundo poético de Larissa Vieira os materiais também são mistos. Entre técnicas analógicas e digitais, a artista cria colagens, ilustrações nos mais diversos tamanhos e materiais de acordo com obra a ser produzida. “Geralmente trabalho com látex e papel Paraná, mas gosto de trabalhar com diversos materiais e técnicas nas minhas ilustrações, uso a tinta nanquim, caneta posca, hidrocor, colagem, isopor gravura, assemblage”. Nesse sentido, suas obras acabam por ter também formatos dos mais diversos, de quadros expostos em galerias, lambe-lambes pela cidade, em contextos publicitários, murais e parceria em projetos artísticos na música, audiovisual etc.

Entre as inspirações estéticas, a artista nos trouxe Rosana Paulino, Maxwell Alexandre, Enivo, Véio, Fill colagem, Nathê, Dalvan Dext, Wendel Salvador, Rubens Valentim, Tschabalaself e Jean-Michel Basquiat. Todos, assim como Larissa, pretos. Outras pessoas negras e todo universo africano influenciam no trabalho da artista que busca em seus trabalhos o resgate da autoestima e identidade do povo preto.

Com necessidade de expor seus trabalhos em dimensões maiores e torná-lo mais acessível ao público, ela passou a utilizar o mural, como outras intervenções. Esta experiência foi bastante positiva à artista. “Não só tornou minha arte mais próxima das pessoas, como se tornou minha fonte de renda, já que trabalho há alguns anos com economia criativa e em feiras culturais”.

Outra forma de manifestação estética da ilustradora se manifesta pela moda. “Da expressão da minha criatividade e escolha das peças a partir daquilo que entendo como arte, é algo intuitivo e bem pessoal. O jeito que me visto, especialmente as cores, estão presentes nos meus trabalhos a ponto de eu ilustrar algumas peças com desenhos e frases que eu gosto e que estão nas minhas leituras ou músicas que escuto”, conta Larissa. Junto aos amigos Rafael Rocha, Lari Oyá e Kelly Nascimento, ela criou o coletivo Qrisco, que cria peças vestuário produzidas de forma artesanal utilizando a lógica da moda sustentável. Contudo, o projeto teve alguns empecilhos de produção por conta da pandemia. O grupo tem buscado outras possibilidades de retornar as produções em breve.

A artista também participa de outro coletivo artístico, o Ateliê Magalenha, que surgiu devido à inquietação pelo circuito cultural sergipano ser bastante restrito e isto desaminar artistas que produzem de independentemente. A mais recente criação do ateliê se trata do projeto “Aqui Tudo É Manguezal”, que consiste em uma narrativa hibrida feita por diversos lambe-lambes espalhados pela cidade de Aracaju e um mural no bairro da Atalaia, no litoral aracajuano.

“O projeto reflete sobre a urbanização da cidade utilizando de intervenções artísticas, redirecionando o olhar monótono de um cotidiano que respira as últimas imagens do que restou do nosso mangue”. O bioma, que sofre historicamente os horrores do avanço desenfreado da urbanização, na gestão do Ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles pode  perder suas proteções legais, abrindo possibilidade do uso de seus espaços por empresas privadas, como redes de hotéis de luxo. Além da natureza ceifada de sua existência, as populações marginalizadas são excluídas desses espaços no processo de gentrificação.

A intervenção tem inspiração do manguebeat – movimento de contracultura surgido em Recife (PE) nos anos 1990, caracterizado por ser crítico ao contexto socioeconômico e por misturar referências da cultura popular com cultura de massa, trazendo o mangue como parte da construção da identidade dos moradores do litoral.  “Buscamos a partir da plasticidade do mangue criar uma narrativa que contribua como uma ferramenta de denúncia e provocação para sensibilizar a população acerca da necessidade de preservar o que ainda restou desses espaços e sua importância para nossa formação identitária”.

A construção de identidade negra é central na criação de Larissa Vieira. Sua poética em diáspora perpassa os mais diversos formatos, nos quais é construído e reconstruído de forma sensível o Mundo Negro.

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