A crise econômica produziu um trilionário

Por Vitória Regina

Na última crise estrutural do capital, István Mészáros afirmou que esta seria apenas uma festa no salão de chá do vigário. A intenção era destacar que a quebra do sistema financeiro de 2008 seria algo pequeno se comparado à crise em que o mundo entraria posteriormente. A crise sistêmica do capital que abalou o mundo há 12 anos foi apenas um aperitivo servido no salão principal do sistema financeiro. O banquete finalmente chegou e quem pagará a conta serão os países localizados na periferia do mundo.

Após uma década do início da última crise econômica, os países ainda não tinham se recuperado. Além disso, organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial apostaram que o mundo entraria em uma crise ainda maior e passaram a reduzir as previsões de crescimento econômico para os próximos anos, tudo isso antes da pior pandemia dos últimos 100 anos.

Em 2018, a previsão de crescimento econômico mundial apresentado pelo FMI para os anos de 2019 e 2020, teria, respectivamente, uma queda de 3,7% para 3,5% e de 3,7% para 3,6%. O Banco Mundial, por sua vez, alterou a previsão de avanço para 2,9%.

Todavia, as projeções supracitadas não contavam com uma pandemia causada pelo novo coronavírus. Em relatório publicado no início de junho, o Banco Mundial afirmou que em 2020 a economia global irá encolher 5,2%, sendo a recessão mais drástica desde a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, o cenário é ainda pior, além de uma crise política instaurada pelo governo autoritário e com características fascistas de Jair Bolsonaro, a tendência para o maior país da América do Sul é o de encolhimento em 8% – a maior queda econômica em 120 anos.

Para uma rápida contextualização de como foram as projeções realizadas pelo FMI e Banco Mundial para o Brasil em 2020, destacaremos que em janeiro foi projetado um crescimento de 2,2%. Três meses depois, o FMI projetou uma retração de 5,3%. Agora, no meio do ano, o Brasil já é alertado sobre a maior crise econômica de sua história, com uma retração de 7,4% a 8%. Entretanto, caso haja uma segunda onda da pandemia, a retração da economia brasileira pode chegar a 9,1%.

A pandemia que se alastrou em todo globo durante o ano de 2020 e que intensificou uma crise econômica já existente, não afetou economicamente os bilionários do mundo. Embora tal pandemia tenha  levado aproximadamente 42 milhões de pessoas à lista de desempregados nos Estados Unidos desde o seu início e no Brasil, de acordo com o Ministério da Economia, 804 mil pessoas tiveram de recorrer ao seguro-desemprego e conforme apresenta o Dataprev, 45,2 milhões de pessoas solicitaram e foram aprovadas para o recebido do auxílio emergencial, uma porcentagem pequena de pessoas continuou a faturar bilhões.

Durante a crise econômica e sanitária, Jeff Bezos, o dono da gigantesca Amazon, faturou de janeiro até a segunda semana de abril 24 bilhões de dólares, uma quantia em torno de 125 bilhões de reais, caso convertido para a nossa moeda. A média anual de crescimento de patrimônio – estimado em 138 bilhões de dólares –  de Bezos tem girado em torno de 34% e se o ritmo permanecer nesta frequência, até 2026 Jeff será o primeiro trilionário da história da humanidade. A crise estrutural do capital pariu um trilionário.

Jeff Bezos, recentemente, comprou a mansão mais cara da história do estado da Califórnia no valor de 165 milhões de dólares ou algo próximo a 720 milhões de reais. Entretanto, por mais que seja um valor astronômico para ser pago em uma mansão, ainda mais se considerarmos que há aproximadamente 130 mil pessoas em situação de rua na Califórnia, o valor pago por Bezos na residência corresponde a 38 horas de lucro do dono da Amazon, considerando que este fica 4,4 milhões de dólares mais rico a cada 60 minutos.

A fortuna de Bezos vem do suor e da precarização do trabalho de quase um milhão de empregados em todo o mundo. Em 2018, a gigante do varejo tornou-se a segunda empresa norte-americana a atingir o valor de mercado de US$ 1 trilhão, sendo a Apple a primeira na lista.

Nos últimos anos, a Amazon tem sido alvo de processos judiciais e da fúria de trabalhadores precarizados, que além de ficarem a jornada de trabalho inteira de pé, caminham, em média, até vinte quilômetros a cada turno e ainda são recomendados a utilizarem o banheiro somente durante o curto intervalo de 15 minutos. Time is money.

Em fevereiro de 2019, funcionários da Amazon vieram a público reclamar das condições de trabalho da empresa. Alguns funcionários relataram ter que digitalizar 1.800 pacotes em apenas 30 minutos. Ademais, os trabalhadores também pediram à Amazon que aumentasse o tempo de intervalo de 15 para 30 minutos. Em julho do mesmo ano, o Congresso dos Estados Unidos decidiu investigar os armazéns da empresa para averiguar as condições de trabalho.

No dia primeiro de outubro de 2019, a Amazon voltou a ser criticada pela forma que tratava seus funcionários e uma semana depois alguns funcionários decidiram protestar contra as condições de trabalho oferecidas. Uma das exigências dos trabalhadores – maioria mulheres – era o aumento adicional no turno da noite, bem como o peso das caixas que são obrigadas a carregar.

A fortuna de Bezos tem em seus pilares a Amazon, mas o império se expandiu. Atualmente Jeff é dono de uma rede de supermercado chamado Whole Foods, bem como é proprietário do jornal Washington Post, além de possuir ações em outras empresas gigantescas como Uber e Google.

Jeff Bezos ser o primeiro trilionário da história da humanidade não choca, é até previsível e esperado. Na mesma frequência em que o capitalismo se desenvolve, desenvolve também suas contradições. Inseridos em um modo de produção que tem como intenção a acumulação desenfreada do capital, não é surpreendente que a riqueza produzida por 99% da população seja transferida para os cofres de 1%. Não surpreende, também, que essa riqueza esteja concentrada nas mãos de um grupo de pessoas cada vez menor, pois isso faz parte do funcionamento desse modo de produção nefasto.

O que surpreende, no entanto, é observar que mesmo diante de uma desigualdade sem precedente, esse sistema econômico ainda seja visto como a melhor alternativa, mesmo para os subalternos – e aqui devemos discutir o papel da ideologia dominante. Um sistema que permite que 22 homens tenham a mesma riqueza do que todas as mulheres do continente africano não é digno de existir.

Não é viável, também, que um sistema que possibilite que 2.153 pessoas tenham a mesma riqueza do que 60% da população mundial, ou seja, 4,6 bilhões de pessoas. Não me parece razoável, também, pensar que se Jeff Bezos decidisse pagar uma taxa extra de 0,5% sobre toda sua fortuna, isso resultaria na criação de 117 milhões de empregos em educação, saúde e de cuidados para idosos nos próximos dez anos. Não é coerente pensar, também, que a fome atinja 820 milhões de pessoas, enquanto 1,3 bilhão de toneladas alimentos sejam descartados no mundo todos os anos.

O capitalismo só deu certo para 1% da população. Para 99% da população mundial o capitalismo falhou e continuará falhando enquanto existir, pois sua existência é pautada na exploração do homem pelo homem e na acumulação do capital. Não há o que fazer, não há o que mascarar. Nesse modo de produção, não há saída para esmagadora população que hoje vive. A existência do capitalismo é o caminho para barbárie. A existência do capitalismo é caminho para a destruição sem retorno do meio ambiente. A existência do capitalismo é o aceno para o fascismo em toda crise sistêmica.

Vitória Regina

Colunista

É marxista e quase formada em Psicologia pela UFMS. Interessada em ciência política, psicologia histórico-cultural e artes.

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5 Comments

  • Se a crise é estrutural a solução também é. Somente o comunismo aponta uma verdadeira alternativa para a humanidade contra a barbárie.

  • […] uberização é resultado de adoção da retórica liberal na abordagem trabalhista, representada pela falácia do […]

  • […] desde 1990, embora uma parcela minúscula da população continue a lucrar bilhões, como pontuei neste artigo publicado pela Badaró. Em um cenário catastrófico, 580 milhões de pessoas podem passar a […]

  • […] desde 1990, embora uma parcela minúscula da população continue a lucrar bilhões, como pontuei neste artigo publicado pela Badaró. Em um cenário catastrófico, 580 milhões de pessoas podem passar a […]

  • […] Sem emprego, muitos dependeram do Auxílio Emergencial, este extremamente burocrático e com uma quantia significativamente inferior a um salário mínimo. A pandemia escancarou a fome no mundo, no Brasil o cenário devastador faz centenas de pessoas se amontoarem em filas nas agências da Caixa Econômica Federal em busca de algum dinheiro para sobreviver, mesmo que minimamente ou vão as ruas trabalhar. O vírus é uma incerteza, mas a fome é certa. Apesar da Constituição prevê a saúde como direito de todos e dever do estado, a quarentena, medida preventiva de saúde para população, não pode ser praticada por todos. E isso é bom para os bilionários, no Brasil houve crescimento na fortuna desses, a crise produziu um trilionário.  […]

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