Ruanda e Congo-Kinshasa: Chagas compartilhadas

  • 23 de março de 2024

Vizinhos africanos dividem história violenta que remonta ao colonialismo europeu e se reflete nos dias atuais

Por Norberto Liberator
Ruanda e Congo-Kinshasa: chagas compartilhadas
Com 2,3 milhões de km², a República Democrática do Congo, também conhecida como Congo-Kinshasa, tem quase 90 vezes o tamanho de Ruanda. Apesar da diferença em extensão territorial, os dois países compartilham as chagas de uma violenta disputa étnica e política, que remonta ao colonialismo europeu.
A Alemanha colonizou Ruanda desde o século XIX e cedeu espaços de poder à elite local, da etnia tutsi, que consideravam “superiores” por terem traços físicos mais parecidos com os europeus. A maioria hutu e a pequena minoria twa* eram relegadas à semiescravidão. A segregação aos hutus se intensificou quando Ruanda passou ao domínio belga (que já colonizava o Congo-Kinshasa), após a Primeira Guerra Mundial. *Os twa são conhecidos genericamente como “pigmeus”
Na década de 1950 houve uma escalada nas tensões, com o crescimento de movimentos contra a administração tutsi, fantoche do colonialismo belga. Em 1957, um grupo de militantes e intelectuais lançou o Manifesto Hutu, no qual defendiam que Ruanda era um país hutu e que os tutsis eram invasores de origem etíope.
Temendo perder o controle sobre um futuro processo de independência, o governo belga traiu seus antigos aliados. Em 1960, o coronel Guy Logiest, representante de Bruxelas, demitiu os tutsis em postos de poder e os substituiu por hutus. Um governo provisório liderado por Grégoire Kayibanda – um dos autores do Manifesto Hutu – foi instalado e, em 1961, foi proclamada a República de Ruanda. Milhares de tutsis fugiram para Uganda e Congo-Kinshasa (então Zaire).
Em 1973, o general Juvénal Habyarimana deu um golpe de Estado e se proclamou presidente. Em 1990, a Frente Patriótica Ruandesa (FPR), grupo guerrilheiro formado por tutsis em diáspora, invadiu Ruanda. Liderada por Paul Kagame, a FPR declarou guerra ao governo de Habyarimana.
Uma campanha pelo extermínio de tutsis se alastrou, resultando em um genocídio. Entre 800 mil e 1 milhão de pessoas foram assassinadas em um mês. Além dos tutsis, foram mortos hutus tolerantes e twas. No entanto, a FPR conseguiu tomar a capital Kigali, derrubar o governo hutu e declarar Paul Kagame presidente. Temendo represália, cerca de 2 milhões de hutus fugiram. Junto a Uganda, o governo tutsi financiou a guerrilha liderada por Laurent Kabila, que derrubou o ditador Joseph Mobutu em 1997 na Primeira Guerra do Congo. Estima-se que 1,5 milhão de refugiados retornaram a Ruanda.
Desde 2022, a guerrilha tutsi M23 domina parte das províncias do Kivu do Norte e Kivu do Sul, no leste do Congo-Kinshasa, praticando violências contra outras etnias. A ONU acusa o governo Kagame de patrocinar o grupo para explorar minerais como ouro, estanho, tântalo e diamante. De acordo com a entidade, o Congo-Kinshasa tem quase 7 milhões de deslocados internos.

Referências

  1. BBC. Ruanda: 20 anos depois, cicatrizes do genocídio ainda estão abertas. 

  2. Declaração 1948. Congo, o fim de uma era – Mobutu. 

  3. DW. Grupo rebelde M23 quer retirar-se do Congo: paz à vista?

  4. EXAME. Exército do Congo acusa Ruanda de bombardeio a aeroporto de Goma.

  5. RTP. RD Congo atinge recorde de 6,9 milhões de pessoas deslocadas devido aos conflitos. 

  6. Vatican News. República Democrática do Congo: exploração de recursos minerais.

  7. MENDONÇA, Marina Gusmão de. O genocídio em Ruanda e a inércia da comunidade internacional. Periódicos Unifesp.

Norberto Liberator

Jornalista, ilustrador e quadrinista. Interessado em política, meio ambiente, artes e esportes.

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