O sensível e o campo de batalha
- 1 de julho de 2024
Por Yan Chaparro
Como lembra Diego Sztulwark (2023) o sensível, o afeto e a sensibilidade estão hoje no centro do campo de batalha do poder na sociedade neoliberal, pois capturar o sensível é capturar o corpo, o pensar e o sentir.
Por isso, este escrito busca anunciar estratégias de compreensão do sensível para enfrentar o campo de batalha, desde as ruas, as redes sociais, as instituições, até os gabinetes e os escritórios mais sombrios. Pois é no sensível que todos estão de olho, pelo fato de agenciar nossas vidas humanas pelas entranhas.
Não é à toa que a política ficou mais bestial e o uso de remédios psiquiátricos ficou mais comum, pois os mecanismos de poder molecular, lembrando de Félix Guattari (1987), atacam sem dó o sensível, as partes mais delicadas do nosso corpo.
Às vezes não parece ter saída: aquele que parecia ter o mínimo de razão cognitiva hoje cospe violência, meus amigos contam sofrimentos cada vez maiores, já não me vejo nesta realidade, amanhã talvez o mundo não mais exista. Não tenho emprego; se tenho, me sinto sugado todos os dias, busco saídas, mas tudo parece estar em ruínas.
Pode parecer um enredo de um filme do Béla Tarr, mas é a produção de realidade comum cada vez mais cotidiana. Como dizem por aí, a realidade já superou a ficção.
E que proposta efetiva afetiva podemos ter como estratégias para atravessar as ruínas e agenciar outras formas de vida?
Aqui, proponho a potência (leia-se a potência de Spinoza) do Psicodrama, principalmente quando exercido como psicoterapia de grupo, pois é no coletivo que adoecemos, e é em coletivo que podemos produzir novas subjetividades e objetividades como vida.
E sei que, junto com o Psicodrama, caminham formas radicais de cuidado, sabendo que cuidado aqui é a transformação social a partir do sensível, do afeto e da sensibilidade. Fora isso, o cuidado pode se tornar uma silenciosa e mortal maneira de violência.
Mas, o que seria o Psicodrama de grupo? Antes de tudo, é o entendimento de que o afeto e o sensível é público, quando em um grupo está a “sociedade” vibrante e viva, com seus conflitos, poderes, dilemas e caminhos.
Jacob Moreno (1975) ao produzir o Psicodrama depois do teatro da espontaneidade e do teatro terapêutico, percebeu que o cuidar para uma sociedade justa deve ser construído coletivamente. De várias formas é a audácia do cuidado coletivo em todas as dimensões possíveis humanas. Um cuidar radical que se posiciona e se produz coletivamente.
E dessa forma que proponho estratégias para entrar no campo de batalha onde o sensível é o principal objeto de poder. Cuidar coletivamente do sensível atento às armadilhas neoliberais que tecem nossa sociedade hoje. Cuidar para transformar e produzir justiças sociais, políticas, econômicas e ecológicas.
Por fim, a clínica não pode mais estar alheia à crítica, e a crítica não pode mais estar alheia a clínica. Não existe mais esse privilégio. Pois o sensível e o afeto hoje são objetos de estratégia de poderes. Bom, se você se espanta com o sofrimento cada vez mais naturalizado, isso é um projeto.
Por isso, a tarefa da clínica, digo pela clínica de psicodrama que caminha por variados territórios, é produzir formas de vida, como lembra Diego Sztulwark (2023), que atravessem ruínas, terrores e violências cotidianas. E estejam atentas ao sensível como uma potência social micro e macro.
Referencial bibliográfico
GUATTARI, F. Revolução Molecular: pulsações politicas do desejo. Editora Brasiliense: São Paulo, 1987.
SZTULWARK, D. A ofensiva do sensível: neoliberalismo, populismo e o reverso da política. Editora Elefante: São Paulo, 2023.
MORENO, J. Psicodrama. Editora Cultrix: São Paulo, 1975.