A Zâmbia campeã africana de 2012 e o acidente aéreo de 1993

Por Jorge Duce (Blog Este y 10 MásKodro Magazine)
Traduzido por Norberto Liberator

A Copa Africana de Nações de 2012 entrou para a história como a única vencida pela Zâmbia, e a história que há por trás das “balas de cobre” (alcunha do time nacional zambiano, chipolopolo no idioma bemba) é digna de ser conhecida. A conexão entre 1993 e 2012 foi uma das chaves deste êxito. As casualidades e o misticismo que acompanharam a seleção em 2012 a converteram em um dos campeões mais heroicos e surpreendentes de que se tem recordações.

1993, o acidente que mudou o futebol da Zâmbia

Devemos retornar ao ano de 1993, especificamente ao dia 27 de abril. A equipe nacional se dirigia a Dacar para disputar a partida classificatória contra Senegal, que valia vaga para a Copa do Mundo dos Estados Unidos em 1994, em um voo que fez escala no Congo e no Gabão. Foi ao decolar desta segunda que um problema nos motores – já detectado na primeira escala –, somado a um erro do piloto, terminou no acidente de avião na costa gabonesa, que causou o falecimento de todos os integrantes da expedição: 18 jogadores e o corpo técnico da equipe eram o grosso dela.

Os chipolopolo surpreenderam o mundo ao atropelar a Itália por 4 a 0 nos Jogos Olímpicos de 1988

Não se tratava de uma seleção qualquer para o futebol daquele país. Ainda hoje, ela segue sendo considerada a melhor geração de futebolistas zambianos. Tanto que, antes dessa partida, estavam próximos a se classificar, pela primeira e única vez, para uma Copa do Mundo de Futebol, coisa que ainda não haviam conseguido. Nem todos os integrantes da seleção faleceram no acidente, já que os que não jogavam na liga do país fariam o trajeto por conta própria e não se encontravam, portanto, no avião destruído.

Contudo, os então conhecidos como “heróis pungentes” foram homenageados pelos selecionados que os substituíram na Copa Africana de 1994, na qual a Zâmbia terminou como vice-campeã, após perder por 2 a 1 para a Nigéria na final. Seus jogadores foram recebidos como autênticos heróis na capital – mais do que pela conquista esportiva, por terem levado o nome dos “heróis pungentes” tão longe.

A Copa Africana de 2012

Quase 19 anos depois daquele acidente, começava a Copa Africana de 2012, um troféu para o qual não se classificaram algumas das mais fortes seleções do continente africano, como Camarões, Egito e Nigéria. Assim, Gana e a Costa do Marfim de Drogba chegavam como as grandes favoritas. O campeonato seria realizado em duas sedes: Guiné Equatorial e… Gabão.

A seleção da Zâmbia pouco ou nada tinha a ver com a que pereceu em Libreville, capital do Gabão, 19 anos antes. E chegava ao torneio como uma das tantas “convidadas” à festa de Drogba e companhia. O fato de o evento ocorrer no Gabão dava àquelas “balas de cobre” um incentivo extra, uma espécie de conexão mística com esse país, que se via mais destacado porque o diretor esportivo da Federação da Zâmbia – Kalusha Bwalya – foi um dos jogadores daquela mística geração que não pegou o avião, pois jogava no holandês PSV. No entanto, a equipe zambiana disputaria todas suas partidas na Guiné até as eventuais semifinais. Para todo o país, chegar a esta fase seria um marco histórico e uma preciosa homenagem aos “heróis pungentes”.

Dito e feito. Sem implantar um futebol muito atrativo, os chipolopolo, treinados pelo francês Hervé Renard, souberam levar os rivais a seu terreno sem deixar fissuras em sua linha defensiva e aproveitar os contra-ataques para conseguir sete pontos, em um grupo compartilhado com Senegal (2 a 1, vitória zambiana), Líbia (empate de 2 a 2) e a local Guiné Equatorial, esta última vencida por 1 a 0 em uma partida que consolidou a Zâmbia como líder e levou ambas às quartas de final. A visita ao Gabão estava a apenas um passo, e este foi a partida contra o Sudão, nas quartas.

Como se a história tivesse sido escrita para a merecida homenagem, a Zâmbia ganhou a disputa com um contundente 3 a 0. Os chipolopolo viajariam ao Gabão. Bwalya quis render esta homenagem, mais do que merecida, levando a expedição à mesma praia em que seus antigos companheiros, compatriotas de todos, faleceram 19 anos antes. “Queria unir ambas as equipes, passado e presente. Que se produzisse um testamento entre gerações”.

Esportivamente, tanto Costa do Marfim quanto Gana cumpriram todos os prognósticos e se encontravam na fase anterior à final. Os ganeses foram encarregados de enfrentar a seleção, sem dúvida, mais extra-motivada do torneio. Tudo parecia ser um presságio de que o sonho zambiano não iria mais além. Recordemos que a seleção de Gana vinha de uma campanha gigante na Copa de 2010, eliminada nas quartas, em disputa de pênaltis, pelo Uruguai – a partida da mão de Suárez.

Aos seis minutos de jogo, os ganeses já tiveram um pênalti a seu favor, mas o goleiro Kennedy Mweene defendeu o chute de Gyan. Foi a primeira de várias oportunidades ganenses durante a partida. Nenhuma acabou em gol. O gol veio do disparo de Mayuka, atacante reserva da Zâmbia, que marcaria seu único gol no torneio e o mais especial de toda sua carreira. A Zâmbia estava na final da Copa Africana pela terceira vez em sua história. Mas, desta vez, a partida seria disputada a apenas 10km do lugar onde ocorreu o acidente de avião.

A final mais heróica da história

Na final, disputada em Libreville, esperava-se uma Costa do Marfim que havia arrasado no torneio. Nove gols marcados, nenhum tomado, e quase sem qualquer sofrimento, exceto na vitória contra o Mali por 1 a 0 nas semifinais. Para que se tenha uma ideia: Koló Touré, Gervinho, Salomón Kalou, Yaya Touré e Didier Drogba enfrentariam Katongo, Sinkala, Kabala, Sunzu e Himoonde, por exemplo. Como esta final poderia ser mais épica para a Zâmbia? Com a lesão, aos 12 minutos, de seu capitão Joseph Musonda, que saiu em um mar de lágrimas.

Mas ainda fica mais épica. No segundo tempo, após uma primeira etapa sem quase nenhuma oportunidade, a Costa do Marfim teve um pênalti a seu favor. Drogba lançou a bola para cima da trave. O resultado não se modificaria nos 90 minutos, tampouco na prorrogação. Depois de 120 minutos e muito poucas finalizações – a mais clara além do pênalti foi de Touré, mas seu chute fraco também saiu pelo alto –, a final se decidiria por penalidades.

Após chegar até aqui, suponho que não faz falta dizer que não viveremos algo “normal”. O épico também faria sua aparição nos pênaltis. A rodada de cinco cobranças acabou em empate por 5 a 5, mesmo que tenha havido 11 chutes. Isto porque a Costa do Marfim falhou seu terceiro pênalti, mas a arbitragem disse que o goleiro havia se adiantado e ordenou repetição. Bamba não falhou na segunda. A glória teve de esperar. É importante destacar também que o encarregado de lançar o quinto pênalti da Zâmbia foi ninguém mais, ninguém menos que o goleiro.

Ambas as seleções entraram na morte súbita marcando as duas primeiras cobranças, totalizando 7 a 7 no marcador. O oitavo corria a cargo, por parte dos “elefantes”, de Kolo Touré, e foi defendido por Mweene. Kabala tinha em suas chuteiras a possibilidade de fazer a Zâmbia campeã, mas chutou para o alto. Seguia-se o empate. Gervinho falhou o seguinte, também para fora, e desta vez, Sunzu marcou o pênalti mais importante da história da Zâmbia.

Entre o 27 de abril de 1993 e o 12 de fevereiro de 2012 passaram-se 19 anos, nove meses e 15 dias; mas ambas as gerações estarão unidas para sempre. Libreville, Gabão, será o lugar mais especial para o futebol zambiano. E para os amantes das grandes histórias do futebol e da vida. Viver esta experiência com um zambiano de nascimento, em uma casa onde africanos de diferentes nacionalidades apoiavam e viviam o campeonato, e a homenagem em si própria, foi uma dessas experiências que, suponho, só o futebol me pôde trazer. 

Kodro Magazine

Revista Esportiva

Revista digital baseada em Barcelona, Catalunha/Espanha, dedicada ao futebol e a jogos de videogame voltados ao tema.

Norberto Liberator

Editor-chefe

Jornalista, ilustrador e cartunista. Interessado em política, meio ambiente e artes. Autor da graphic novel “Diasporados”.

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