Escolhas muito fáceis e ensaio geral

Editorial  |  Com fortalecimento do centrão, fracasso do bolsonarismo e rejeição ao PSDB, eleições municipais dão pistas para o cenário político de 2022; diante de conjunturas locais decisivas para a política nacional, a Badaró manifesta seu apoio a candidaturas que representam o combate ao neofascismo em capitais

As eleições municipais deste ano despertaram amplo interesse nacional em pleitos locais. Isto ocorre porque projetos políticos tiveram seus índices de popularidade colocados à prova. Elementos como a rejeição ao PSDB, o mal desempenho de candidaturas majoritárias do PT, o fracasso vertiginoso do bolsonarismo e o crescimento do PSOL auxiliam na compreensão do cenário que se desenha para 2022.

Não nos enganemos: quem sai mais fortalecido das eleições de 2020 é o chamado “centrão”, bloco político de centro-direita, sem ideologia definida, que varia de posicionamento a depender da conveniência. O DEM, principal partido do centrão, elegeu 459 prefeitos (190 a mais do que em 2016), dentre os quais, sete são de capitais. Entre outras legendas do bloco, o PP passou de 498 a 682; o PSD foi de 537 prefeitos a 651; o PL, de 296 para 344; o Republicanos, de 104 a 208; o Solidariedade, de 60 para 93; e o Podemos, de 29 para 96.

As vitórias do centrão não são novidade. Não é raro haver cidades, sobretudo de interior, onde partidos de esquerda ocasionalmente apoiem candidatos de legendas fisiológicas em alianças programáticas. Em capitais, neste ano, destaca-se o apoio do PCdoB – ainda no primeiro turno – ao prefeito reeleito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD), político de perfil conservador neopentecostal, membro de uma oligarquia que domina a política local há décadas.

Apesar desta conjuntura, o campo de esquerda disputa o segundo turno em algumas das maiores capitais do Brasil. Este é um fator importante para que se firmem lideranças que, em 2022, contribuam não apenas para a vitória sobre o bolsonarismo, mas também sobre o discurso oportunista da mídia hegemônica e da direita neoliberal, braços da ascensão de Jair Bolsonaro que, neste momento, adotam um discurso de “busca pelo centro” e pela “moderação”, a partir de falsas equivalências entre a esquerda radical e a extrema-direita e de analogias toscas com a conjuntura dos Estados Unidos, país onde a política é bipartidária e um neoliberal derrotou eleitoralmente um neofascista.

A candidatura de esquerda às eleições municipais que mais tem gerado comoção nacional é, naturalmente, a de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo. A capital paulista, com mais de 12 milhões de habitantes, é a maior cidade da América Latina. Seu peso político é enorme nacionalmente e sua conjuntura costuma influenciar as eleições nacionais. O apoio de prefeitos ou ex-prefeitos de São Paulo é sempre um fator de alta importância para candidatos à Presidência da República. Neste cenário, o PSOL busca aquele que pode ser seu maior passo para se firmar como um dos partidos mais relevantes do Brasil, de forma homérica: derrotando a gestão tucana de Bruno Covas, herdada do extremista João Doria e que possui à mão o aparato do grande empresariado e da imprensa hegemônica.

Além de São Paulo, o partido ainda disputa a Prefeitura de Belém, onde o PT aceitou ser coadjuvante e indicar o vice – Edilson Moura – na chapa do ex-prefeito Edmilson Rodrigues. A capital paraense é uma das que contam com um candidato bolsonarista no segundo turno – no caso, Delegado Eguchi, do Patriota. Eguchi foi eleito deputado federal pelo PSL em 2018, ao se aproveitar da onda neofascista que tomou aquelas eleições. 

Já no Recife, é o PT quem representa a agenda de esquerda no segundo turno com a candidatura de Marília Arraes, no pleito contra seu primo João Campos (PSB). Embora se apresente como “progressista”, João possui tendências neoliberais e é ligado a oligarquias locais; seu partido, o PSB, apesar de sua tendência de centro-esquerda, abriga alas conservadoras e apoiou em peso o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016. O próprio Campos, embora tenha apoiado Fernando Haddad (PT) já no primeiro turno em 2018, aderiu ao discurso antipetista em sua campanha, que lançou mão de fake news já tradicionais como a de que Marília, por ser do PT, seria “contra a Bíblia”.

Em Fortaleza, na segunda etapa, PT, PSOL, PSB e PCdoB se aglutinaram em torno da candidatura de José Sarto (PDT), cuja chapa é resultado de uma aliança com setores de centro-direita como PSDB e DEM, e disputa a Prefeitura contra o bolsonarista Capitão Wagner (PROS). Wagner foi um dos incentivadores do motim de policiais militares do Ceará ligados a grupos milicianos, no início do ano, o qual rendeu a histórica cena de Cid Gomes (PDT) pilotando uma retroescavadeira.

O PDT também disputa a Prefeitura em Aracaju, onde Edvaldo Nogueira tenta a reeleição. Nogueira é um quadro histórico do PCdoB, mas se desfiliou do partido neste ano e disputa o pleito com a delegada Danielle Garcia (Cidadania), candidata de perfil conservador, que flerta com bolsonarismo e que fez parte da equipe de Sergio Moro, quando o ex-juiz paranaense ocupou o cargo de ministro da Justiça. 

Uma das candidaturas mais extremistas do neofascismo brasileiro a disputar uma capital é a do delegado Lorenzo Pazolini (Republicanos), em Vitória. Pazolini se notabilizou na política capixaba como “justiceiro” e “defensor da família”. Neste ano, ele gravou vídeo no qual invadia um hospital, a pedido de Bolsonaro, para “denunciar a farsa da Covid-19”. Mais tarde, tentou impedir que uma criança de 10 anos vítima de abuso sexual passasse por um processo legal de aborto, mesmo sabendo que o prosseguimento da gravidez representava risco à vida da menina. Oportunista, Pazolini notou a queda do bolsonarismo e agora afirma que “não é o candidato de Bolsonaro”. Ele disputa o segundo turno com João Coser (PT).

A segunda candidatura de esquerda com maior visibilidade nacional é a de Manuela D’Ávila (PCdoB), em Porto Alegre. Manuela, cuja chapa tem como vice o petista Miguel Rossetto e recebeu apoio do PSOL, PDT e REDE no segundo turno, enfrenta Sebastião Melo (MDB), cuja principal proposta é reabrir os setores parados durante a pandemia. “Meu primeiro decreto é para reabrir tudo”, afirmou Melo em sabatina à Folha de S. Paulo e ao UOL.

Diante dos fatos aqui apresentados, a Badaró manifesta seu apoio às candidaturas de Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo; Edmilson Rodrigues (PSOL) em Belém; Marília Arraes (PT) no Recife; José Sarto (PDT) em Fortaleza; Edvaldo Nogueira (PDT) em Aracaju; João Coser (PT) em Vitória; e Manuela D’Ávila (PCdoB), em Porto Alegre, por serem estes os representantes de agendas de esquerda ou centro-esquerda no segundo turno das capitais brasileiras, contra candidatos que representam, em alguns dos casos, a agenda neoliberal; em outros, o neofascismo; e, em determinados cenários, ambos.

O Rio de Janeiro é um caso à parte. Pela relevância que a política carioca costuma ter, influenciando de forma direta a conjuntura nacional, o fato de não haver um candidato de esquerda no segundo turno é um alerta para a reorganização deste campo político a nível institucional e, por outro lado, não pode significar a isenção. Combater a agenda neofascista de Marcelo Crivella, representante do projeto de Estado miliciano-teocrático que a Igreja Universal tem para o Brasil, é um dever ao qual a Badaró não se omite.

Embora Eduardo Paes (DEM) seja um político de centro-direita, consideramos que, diante do cenário atual e das opções possíveis, seu perfil moderado é a única saída para que a capital fluminense seja retirada do poder do bolsonarismo, e por tal motivo declaramos nosso apoio crítico à sua candidatura. Ao contrário de outros liberais, Paes não apoiou as aventuras políticas oportunistas que levaram o Brasil ao domínio da extrema-direita. 

O ex-prefeito foi contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT), declarou voto em Marcelo Freixo (PSOL) contra Crivella em 2016 e fez campanha para Fernando Haddad (PT), contra Bolsonaro, em 2018. Não nutrimos ilusões quanto a uma eventual gestão, já que seu mandato foi desastroso e aplicou uma política deplorável de perseguição a vendedores ambulantes. Ainda assim, diante de todas as questões em jogo, o voto em Paes é o único razoável no Rio de Janeiro.

*: Embora não represente o modelo de sociedade que defendemos, é a opção possível contra o avanço do projeto fascista-teocrático que a Igreja Universal do Reino de Deus possui em aliança com o bolsonarismo.

Texto editado às 19h (MS) para acréscimo do trecho acima.

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