Protestos em cenário mundial ecoam em Campo Grande
- 6 de junho de 2020
Por Adrian Albuquerque, Alison Silva, Fábio Faria, Guilherme Correia, Leopoldo Neto, Mylena Fraiha e Norberto Liberator
Embora se tratem de contextos históricos diferentes, com suas devidas particularidades, o Brasil e os Estados Unidos têm enfrentado situações com certa semelhança na conjuntura política atual. Presidentes autoritários com ações arbitrárias em relação à pandemia, alto índice de violência estatal contra pessoas negras e um número de mortes que os posiciona como epicentros da pandemia. Nesse caminho, os panoramas políticos de ambos os países têm engajado uma série de protestos. Nos Estados Unidos, os atos de contestação se iniciaram nos EUA em 25 de maio, impulsionados pelo assassinato de George Floyd, adulto negro enforcado pelo ex-policial Derek Chauvin, no estado de Minnesota. Desde então, os abusos policiais e comportamentos racistas por parte do Estado estadunidense vêm sendo expostos e diretamente combatidos. Uma série de protestos eclodiu no país, realizados em todos os 50 estados – fator este que incentivou diversos outros ao longo do mundo.
As manifestações ao norte encontraram eco em espaço brasileiro: o país enfrenta um cenário pandêmico que acumula 34 mil mortes – com média diária de mil mortes no país – e evidencia o descaso do governo Bolsonaro com a pandemia. Além disso, também há casos de violência policial: nas últimas duas semanas dois rapazes negros foram friamente assassinados pela polícia no Estado do Rio de Janeiro. O primeiro, João Pedro, de 14 anos, foi morto dia 18 de maio enquanto brincava dentro de sua casa no Complexo do Salgueiro, São Gonçalo, o segundo, João Vitor, de 18 anos, baleado durante a entrega de cestas básicas na zona oeste no dia 20 do mesmo mês. Não obstante, uma série de protestos de cunho fascista com a utilização de símbolos nazistas e de reivindicação do fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) tem demarcado espaço nas ruas. Em tal conjectura, movimentos anti-fascistas, anti-racistas e grupos anti-bolsonaristas têm se organizado em protestos a favor da democracia, contra o racismo estrutural e institucional e contra a ascensão de movimentos neofascistas.
Manifestações em Campo Grande
Os protestos em âmbito mundial e nacional também repercutiram no cenário regional. Na cidade de Campo Grande, centenas de pessoas de várias idades se reuniram na Praça do Rádio Clube em manifestação ocorrida na tarde de hoje (6). O ato, organizado pelo “Coletivo Alanys Matheusa”, foi motivado pelos casos recentes de mortes de pessoas negras por ação policial. Os manifestantes estavam com roupas pretas e máscaras de proteção facial.
Uma das organizadoras e integrante do coletivo que carrega o nome da primeira advogada trans e negra de Mato Grosso do Sul, Angela* explica que o ato foi motivado pela revolta contra políticas fascistas do governo Bolsonaro, mortes de pessoas negras por ação policial, além do caso do menino Miguel Otávio, morto por negligência da patroa da própria mãe. “É por isso que a gente está fazendo essa manifestação, a gente não aguenta mais. O que a gente puder combater contra isso a gente vai fazer, entendeu? É por isso que o coletivo Alanys Matheusa nasceu e não vai morrer”.
O receio causado pela pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, não impediu os manifestantes de protestar a favor da proteção de grupos subalternizados, como pessoas negras e indígenas. Durante cerca de uma hora e meia, lideranças regionais, professores e militantes de várias causas sociais realizaram discursos e foram aplaudidos pelos presentes.
Os organizadores do movimento orientaram que fossem respeitadas as exigências sanitárias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para evitar infecção pelo vírus. Os manifestantes, em geral, respeitaram distanciamento social durante o ato e utilizaram álcool 70% para higienização.
“A mídia não tem o que falar da gente, a gente teve espaçamento das pessoas, elas estavam de máscara. Então nossa organização tomou todo o cuidado com a questão da saúde por conta da Covid-19 e a manifestação ser pacífica, é muito importante. A gente não aguenta mais e o que a gente combater contra isso, a gente vai fazer”, explica Angela*.
O ato contou com a participação de lideranças políticas, militantes de movimentos sociais e de pesquisadores de universidades públicas. Dentre os manifestantes, estava a integrante do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro da Universidade Federal da Grande Dourados (NEAB/UFGD), professora Eugênia Portela; a professora e líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Política e Planejamento Educacional, História e Formação de Professores para a educação das Relações Étnico-Raciais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (GEPPEHER/UEMS), Bartolina Catanante; professora, Vânia Duarte, que atua na comunidade Tia Eva, em Campo Grande; além da pedagoga Cleuza Pedrosa.
Uma manifestante que não quis se identificar, ressaltou que o ato foi pensado para o atual contexto, e que os envolvidos tomaram os cuidados necessários durante o protesto, segundo ela, motivado pela morte da população negra nos últimos 40 dias. “Tanto pelo caso do João Pedro, pela ‘negligência’ no caso do Miguel, assim como a morte do americano George Floyd”, ressalta Rosa*. De acordo com a manifestante, o ato sul-mato-grossense deste sábado vem somar-se aos movimentos organizados por todo o país.
Ação policial
Inicialmente, oficiais da Guarda Civil Metropolitana estacionaram viatura dentro da praça e observaram o protesto. Uma camionete da Polícia Militar (PM/MS) atravessou gramado e os policiais ficaram a postos – mesmo com o caráter pacífico da manifestação.
A presença de um helicóptero da PM, que sobrevoou o local durante quase todo o ato, chocou os manifestantes. O barulho do veículo dificultou os gritos de protesto contra a violência a grupos subalternizados.
“Estávamos fazendo um patrulhamento de rotina em alguns bairros da capital e decidimos perpassar a área onde ocorria a manifestação a fim de identificar possíveis diligências e tumultos, o que não ocorreu, visto à legitimidade da manifestação. O centro da cidade estava lotado e sabemos que o patrulhamento aéreo coíbe assaltos, furtos, ações nesse sentido e decidimos dar suporte, pois é semana de pagamento”, relatou à Revista Badaró, Guardiano Guardiano,Tenente Coronel do Grupamento Aéreo da Polícia Militar.
Simultaneamente, em sintonia aos protestos de extrema-direita, algumas pessoas se reuniram proximamente ao Obelisco de Campo Grande, em favor da manutenção do atual presidente Jair Bolsonaro no governo Federal e do fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Eles [manifestantes pró-Bolsonaro], uns fascistas, estão lá em cima fazendo manifestação, mas o povo preto se une porque crianças morrem todos os dias. Favelados morrem todos os dias, e vem helicóptero só para sobrevoar a gente”, conta Shuri*.