O que rolou em 2019: cultura

Política cultural do governo Bolsonaro, censura e Theodor Adorno compositor dos Beatles estão entre principais fatos da editoria de cultura em 2019

Por Leopoldo Neto
Colaboraram Guilherme Correia e Norberto Liberator

Governo Bolsonaro e gestão cultural do Estado

No final de 2018, Jair Bolsonaro anunciou que o então Ministério da Cultura (Minc) seria extinto e passaria a integrar uma secretaria ligada ao Ministério da Cidadania, sob o comando de Osmar Terra. Após ser anunciado como o dirigente responsável pela pasta  que passou a abrigar os setores de desenvolvimento social, esporte e cultura  , Terra disse ao jornal Folha de S. Paulo que não sabia nada sobre os dois últimos temas. “Só toco berimbau”, afirmou, ao gargalhar, em seguida. A discussão em torno da extinção do Minc surgiu no governo Temer. Devido aos protestos impulsionados pelo setor cultural, o ex-presidente decidiu manter a pasta.

Lei Roaunet

Em abril, o Diário Oficial divulgou mudanças em relação à Lei Roaunet. Na nova configuração, cada projeto possui um teto de captação de um milhão de reais – e não mais de 60 milhões como ocorria antes. Há algumas exceções, como planos anuais de instituições, projetos sobre patrimônio cultura, material e imaterial, além dos museus. As modificações causaram protestos dos produtores de espetáculos musicais, que também precisam se enquadrar no amparo de R$ 1 milhão – fator este que inviabiliza apresentações que necessitem de grande estrutura para sua execução.  

Casos de censura

Em reportagem publicada pela Folha, o jornalista Gustavo Fiorati revelou que a Caixa Econômica Federal criou um sistema de censura prévia a projetos relacionados aos seus centros culturais em todo o Brasil. Segundo a matéria, o posicionamento político dos artistas, seu comportamento nas redes sociais, assim como aspectos das obras, são avaliados em relatórios internos. O material é analisado pela estatal antes da autorização para que peças de teatro, ciclos de debates e exposições já aprovadas em editais possam entrar em cartaz.

Olavo de Carvalho, Adorno e os Beatles

O astrólogo e escritor Olavo de Carvalho afirmou, em um vídeo, que o compositor das músicas dos Beatles foi o sociólogo marxista Theodor Adorno. Carvalho relata que ouviu as informações em um artigo que leu em holandês, sem citar referências em relação ao título ou autor do texto em questão. “Vou investigar, mas me parece verdadeiro pelo contexto: os Beatles eram semianalfabetos em música. Mal sabiam tocar violão. Quem compôs as canções foi o Theodor Adorno”.

Theodor Adorno foi um dos principais intelectuais expoentes da corrente de pensamento denominada Escola de Frankfurt. O teórico, que também era músico de formação erudita, ficou conhecido pela sua contribuição crítica à teoria social do século XX em relação à cultura e à razão iluminista – sendo o responsável por cunhar, juntamente a Max Horkheimer, o termo indústria cultural. Adorno morreu em 1969, nove anos após o surgimento dos Beatles, devido a uma parada cardíaca.

As acusações levantadas por Carvalho não possuem ligações com evidências factuais e documentos. Além disso, Adorno considerava o Rock como arte de menor qualidade e como produto massivo da indústria cultural, a qual o pensador criticava.

Novos cargos na administração cultural

No mês de novembro, o governo trocou a Secretaria de Cultura do Ministério da Cidadania para o Ministério do Turismo, seção do governo na qual o ministro Marcelo Álvaro Antônio é investigado pelo caso chamado informalmente de “laranjal do PSL”.

Para o comando da Secretaria Especial de Cultura foi designado o dramaturgo Roberto Alvim, que antes exercia a função de diretor do Centro de Artes Cênicas da Fundação Nacional de Artes (Funarte). Alvim ganhou simpatia de Bolsonaro ao elogiar as políticas adotadas em seu governo como também por atacar, publicamente, a atriz Fernanda Montegro. Ele afirmou que sentia desprezo pela artista e a acusou de “mentirosa”.

Na secretaria, o dramaturgo colocou novos cargos no setor audiovisual, na Fundação Palmares, na Biblioteca Nacional e na Funarte. Todos os novos empossados possuem em comum uma visão política conservadora. 

Censura e ataque ao Porta dos Fundos

Em dezembro (24), o prédio da produtora do programa humorístico Porta dos Fundos sofreu um atentado, realizado com coquetéis molotov. Um grupo, que se identificou como “Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integralista Brasileira”, reivindicou a autoria do crime.

O especial de Natal do programa fez uma sátira de Jesus e de outros personagens bíblicos. No programa, Jesus é retratado como homossexual. A mãe dele, Maria, é representada como adúltera, dividida entre o romance com seu marido, José, e com Deus – personalizado como um dos atores do elenco.

Organizados na Ação Integralista Brasileira (AIB), os chamados “galinhas verdes” – nomeados pejorativamente devido à cor de seu uniforme – chegaram a tentar um golpe de Estado em 1938, conhecido como Levante Integralista. Seu líder, Plínio Salgado, foi deputado federal em várias ocasiões e candidato a presidente da República em 1955, ocasião em que obteve 8% do total dos votos – sendo o preferido em Curitiba.

No dia 31 de dezembro, a Polícia Civil do Rio de Janeiro identificou Eduardo Fauzi Cerquize como um dos autores do atentado. Fauzi é filiado ao PSL, mesmo partido de Jair Bolsonaro, e é membro da Frente Integralista Brasileira. Dias depois, foi encontrado na Rússia, onde permanece atualmente. O Itamaraty pediu a extradição do terrorista ao governo russo. 

Em janeiro deste ano (8), uma decisão do desembargador Benedicto Abicair pela Justiça do Rio de Janeiro censurou o Especial de Natal do Porta dos Fundos.

A Netflix, plataforma do programa humorístico, acionou o STF contra a decisão, ao argumentar que a determinação desrespeita decisões anteriores do tribunal pois impõe “restrições inconstitucionais à liberdade de expressão, de criação e de desenvolvimento artístico”.

O pedido de liminar (decisão provisória) foi analisado pelo presidente da casa, Dias Toffoli.

“Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela). Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2.000 anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros”, argumentou o ministro.

 

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