O que rolou em 2019: política internacional

Manifestações populares na América Latina e Hong Kong, intervenção estadunidense na geopolítica do Oriente Médio e crise do governo Trump estão entre os principais acontecimentos que marcaram a política global

 

Por Mylena Fraiha e Norberto Liberator
Colaboraram Fábio Faria, Guilherme Correia e Leopoldo Neto
   

Hong Kong versus governo chinês

Junho 2019

No primeiro semestre de 2019, as ruas de Hong Kong foram ocupadas por manifestantes que se opuseram a um projeto de lei que permitiria extradições de cidadãos de Hong Kong para a China continental. A Chefe do executivo, Carrie Lam, arquivou o projeto, contudo os protestos ganharam mais amplitude e seguiram com novas reivindicações ㅡ como a manutenção da democracia e a investigação sobre casos de brutalidade política.

À medida em que os protestos continuavam, os confrontos entre manifestantes e policiais tornaram-se mais violentos. No dia 12 de junho, a polícia local usou gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar a multidão que marchava contra o projeto. Nesse conflito, 22 pessoas ficaram feridas e mostrou-se como a pior demonstração de violência na região das últimas décadas. Em 1 de julho, no 22º aniversário da devolução do território aos chineses, vários manifestantes causaram destruição no Parlamento local.

Ao longo de 2019, os protestos se estenderam. Em 18 de novembro, a Polícia de Hong Kong manteve o cerco ao campus da Universidade Politécnica. A instituição, situada na península de Kowloon, foi ocupada por manifestantes, na maioria estudantes, que entraram em choque com as forças de segurança. Os protestantes se posicionaram nos telhados e estavam armados com arcos e flechas, enquanto os policiais respondiam com gás lacrimogêneo e canhões d’água. 

Vale relembrar que Hong Kong foi uma ex-colônia britânica. Desde 1997, o território faz parte da China, sob um acordo de “um país, dois sistemas”, que garante um certo nível de autonomia ao território de 7,4 milhões de habitantes. Na prática, os honcongueses têm seu próprio sistema de leis, diversos partidos políticos e direitos de cidadania garantidos, como liberdade de expressão, mas as relações internacionais são feitas pela China. Com a nova lei de extradição, os manifestantes temem que a região perca autonomia.

 

Ilustração mostra Abu Bakr Al-Baghdadi.

  

Morte de Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do Daesh

Abril 2019 

O atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou em outubro de 2019 a morte do líder do autoproclamado Estado Islâmico do Iraque e da Síria (Daesh), Abu Bakr al-Baghdadi, em uma operação militar estadunidense executada no noroeste da Síria. O assalto ao complexo residencial em que al-Baghdadi estava, localizado a menos de cinco quilômetros da fronteira com a Turquia, foi realizado por cerca de 50 a 70 membros da Força Delta e dos Rangers do Exército dos Estados Unidos. 

Em um pronunciamento televisivo, Trump afirmou que as forças militares dos EUA não sofreram perdas na operação. A ação, iniciada em outubro, terminou no dia 26, após o encurralamento de al-Baghdadi, que se suicidou ao detonar o cinto explosivo que utilizava no momento do cerco. “Morreu como um cachorro, morreu como um covarde. O mundo é hoje um lugar muito mais seguro”, disse o presidente estadunidense aos telespectadores.

Em 2014, al-Baghdadi proclamou o califado do Daesh, que durante os três anos seguintes de apogeu se espalharia pelo Iraque e pela Síria, ao semear terror com execuções em massa e impondo sua versão radical do Islã. Considerado um dos terroristas mais procurados do mundo, al-Baghdadi trabalhou como imã – autoridade religiosa do islamismo – durante anos, antes de se unir à resistência armada contra a ocupação estadunidense do Iraque, em 2003, e se radicalizar mais tarde, quando se uniu à Al-Qaeda e, posteriormente, fundou o Daesh.

 

Ilustração mostra Alberto Fernández e Evo Morales.

 

Onda de protestos na América Latina

Chile

No ano de 2019, o Chile protagonizou uma série de protestos massivos iniciados com o aumento da passagem de metrô. Em outubro, após o governo anunciar um aumento de 30 pesos na tarifa do metrô – equivalente a 20 centavos de real – estudantes do ensino médio iniciaram um boicote aos metrôs da capital Santiago. Com o slogan ¡Evade! (“evitar”, “sonegar”, “evadir”), a campanha incentivava os cidadãos a pular as catracas das estações. As manifestações deram início à maior crise social, política e institucional que o país enfrenta nos últimos 30 anos.

Cerca de um milhão de chilenos foram às ruas para pedir melhorias em relação aos benefícios sociais. Os protestos se intensificaram e os embates entre manifestantes e policiais se tornaram cada vez mais violentos. Catracas foram quebradas, 19 estações de metrô incendiadas e agências bancárias depredadas. A polícia revidou com bombas de gás lacrimogêneo, jatos de água e carros de choque. 

No sábado, 19 de outubro, o presidente Sebastián Piñera decretou Estado de emergência em 9 das 16  regiões do país e autorizou o envio de forças do Exército chileno para fazer cumprir a ordem e reprimir a destruição de bens públicos. No dia 19 de outubro, também foi instituído um toque de recolher na área da Grande Santiago, pela primeira vez desde 1987, no final da ditadura de Pinochet. 

Os conflitos também foram marcados pelo abuso da força policial. Um dos eventos registrados durante o toque de recolher aconteceu no dia 19 de outubro, em Bajos de Mena, em Puente Alto. Os soldados teriam disparado contra uma multidão que supostamente saqueava um supermercado naquele momento. Também houve denúncias de violação aos direitos humanos. Entre os manifestantes feridos, 26 perderam a visão e 157 sofreram lesões oculares graves, após serem atingidas pelos projéteis de borracha e sprays de gás lançados por policiais e soldados.

Além de revogar o aumento das tarifas ferroviárias, Piñera fez um pronunciamento em rede nacional na noite do dia 22 de outubro, na qual pediu perdão aos chilenos pela “falta de visão da magnitude dos problemas históricos do país”. Também anunciou uma série de medidas para atenuar as tensões no país, como um pequeno aumentos das aposentadorias, a criação de um teto para gastos com medicamentos, a redução nas tarifas de energia elétrica e o aumento dos impostos para os ricos.

Em seis de novembro, o presidente afirmou em entrevista à rede BBC, que não teria pretensão de renunciar ao mandato aos protestos. Porém, o chefe de Estado declarou que admite modificações, por meio do Congresso, na Constituição Chilena.

A legislação em vigor foi elaborada em 1980, dois anos após o golpe de Estado que depôs o presidente democraticamente eleito Salvador Allende. O General Augusto Pinochet, que governou o país entre 1973 a 1990, foi responsável por implementar reformas que tinham a privatização como eixo central – o que incluiu serviços básicos como água, eletricidade, educação e saúde. 

O projeto econômico do ditador foi liderado pelo grupo de economistas conhecido como “Chicago Boys” – formado por profissionais da Universidade de Chicago, influenciados por teóricos liberais que visam a redução do Estado, como o estadunidense Milton Friedman e o austríaco Friedrich Von Hayek.

Apesar do recuo de Piñera, as manifestações e os confrontos prosseguiram devido à degradação das condições sociais agravadas nos últimos anos. 

Colômbia 

Na quinta-feira, 21 de outubro de 2019, colombianos saíram às ruas em meio a uma greve geral, devido aos rumores de reformas econômicas e pelo crescente descontentamento com o governo do presidente conservador Ivan Duque. Segundo organizadores do protesto, mais de 1 milhão de pessoas se manifestaram em todo o país, enquanto as autoridades estimaram 207 mil.

Os protestos se iniciaram com os estudantes de universidade públicas e privadas. Posteriormente, os sindicatos, os partidos da oposição e alguns dos grupos indígenas da Colômbia também se alinharam às reivindicações contra uma série de políticas econômicas, sociais e de segurança propostas pelo governo de Duque. Em uma entrevista concedida à Reuters, o presidente da Central Única de Trabalhadores (CUT), Diógenes Orjuela, afirmou que as manifestações também são motivadas por questões que vão além dos impactos das reformas promovidas pelo governo atual. “Há muitos acordos descumpridos com indígenas, com os professores, com os funcionários públicos”. 

À medida que os protestos aumentavam, o tensionamento entre manifestantes e policiais tornaram-se mais violentos. Houve registros de enfrentamentos com a polícia em Bogotá, Manizales e Cali – onde foi decretado o toque de recolher. De acordo com  números oficiais, 122 civis e 151 policiais ficaram feridos. Após manifestações, 11 investigações preliminares sobre irregularidades na atuação das forças de segurança foram iniciadas em Bogotá, Cali, Manizales e Cartagena.

Bolívia

No cenário boliviano, a reeleição do presidente Evo Morales foi marcada por incertezas e revoltas populares. Cerca de 7 milhões de eleitores foram às urnas no domingo, 20 de outubro, para eleger presidente, vice-presidente, deputados e senadores para o mandato de 2020-2025. Evo Morales, do partido Movimiento al Socialismo (MAS), foi reeleito com 47,08% dos votos. Seu opositor Carlos Mesa, da aliança política Comunidad Ciudadana (CC), teve o apoio de 36,51% do eleitorado.

Durante o processo de apuração de votos, houve um atraso na divulgação dos resultados, resultado de uma falha no sistema Transmissão de Resultados Eleitorais Preliminares (TREP) – ferramenta de empresa não-boliviana que é utilizada pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Bolívia desde 2016. A oposição acusou Morales de fraude eleitoral. Após a contagem manual dos votos, a divulgação oficial do resultado foi dada no dia 22 de outubro. Diante de pressão pela auditoria do processo eleitoral, o presidente aceitou a proposta.

Diante desses impasses na apuração, a população boliviana revoltou-se. No dia 21 de outubro, houveram relatos sobre conflitos em Sucre, Oruro, Cochabamba, La Paz e outras cidades. Centenas de manifestantes iniciaram protestos em frente à sede do TSE e enfrentaram a polícia, que reagiu com bombas de gás lacrimogêneo. No dia 22 de outubro, de forma pacífica, os protestos fecharam a fronteira com o Brasil, entre a cidade de Puerto Quijarro, na Bolívia e Corumbá, no Brasil.

Atos violentos espalharam-se pelo território boliviano. Em 7 de Novembro, Patricia Arce, prefeita da cidade de Vinto e companheira de partido de Morales, foi humilhada publicamente por uma multidão de opositores que a obrigaram a assinar uma carta de demissão. Os agressores também cortam seus cabelos e a fizeram andar descalça durante vários quilômetros. Nesse mesmo dia, a Câmara Municipal foi incendiada. Em 9 de novembro, Morales denunciou que foram incendiadas as casas de sua irmã na cidade de Oruro, do governador de Oruro e do governador de Chuquisaca.

Em 11 de novembro, Evo Morales deixou o país para se asilar no México. No dia 12 de novembro, Jeanine Áñez se autoproclamou presidente interina da Bolívia, na tentativa de acabar com o vácuo de poder surgido após a renúncia de Evo Morales. A validade do governo de Áñez é questionada pelos partidários de Morales, visto que a Assembleia Legislativa na qual lhe foi dada a Presidência interinamente não reuniu o quórum necessário devido à ausência dos parlamentares leais a Morales. 

Venezuela

Em 2019, a crise política da Venezuela tomou novos contornos e o país segue sem um presidente aceito de forma unânime. No dia 6 de abril, grupos favoráveis e contrários a Nicolás Maduro convocaram manifestações nas ruas da Venezuela. As mobilizações aconteceram em meio à crise energética que se agrava no país, com frequentes blecautes e problemas no abastecimento de água, que ocorrem desde março e já deixou boa parte da Venezuela paralizada durante 11 dias.

Desde janeiro de 2019, a Venezuela passa por um impasse político, que discute a legitimidade de quem deve ocupar a presidência da República. Para compreender os conflito atuais é preciso voltar alguns meses atrás. Na eleição presidencial de maio de 2018, Nicolás Maduro foi reeleito, no entanto o processo eleitoral foi acusado de várias irregularidades, considerado uma “fraude” pela oposição. Maduro tomou posse em 10 de janeiro de 2019

Desde então, a política venezuelana e internacional discutem amplamente a legitimidade da eleição, posse e exercício da Presidência por Maduro. Enquanto isso, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, declarou-se presidente interino do país. Dado que, pela Constituição venezuelana, a vaga presidencial pode ser preenchida pelo presidente da Assembléia Nacional. 

O resultado eleitoral foi reconhecido pela Rússia, China, México e a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba). Maduro é apoiado pela Assembleia Constituinte, enquanto Guaidó é apoiado pela oposição da Assembleia Nacional. Em contrapartida, Argentina, Brasil Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lucía também não reconhecem a legitimidade da eleição venezuelana de 2018.

Equador 

Desde o dia 3 de outubro de 2019, o Equador vivenciou uma onda de protestos. A paralisação das estradas se estenderam da capital, Quito, até a cidade costeira de Guayaquil e os serviços de ônibus e táxis foram interrompidos devido às barricadas de pneus, pedras e galhos construídas pelos manifestantes. Durante os dez dias seguidos de protestos em todo o país sete pessoas foram mortas, 1.340 feridas e 1.152 presas. 

As manifestações iniciaram após o presidente Lenín Moreno ter implementado um decreto de medidas econômicas que fazem parte de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Equador tomar empréstimos de mais de US$ 4 milhões. Uma dessas medidas é o fim de subsídios ao diesel e à gasolina extra de maior demanda no país. 

No Equador, os movimentos sociais, especialmente os indígenas, têm uma longa história de defesa dos subsídios aos combustíveis e ao gás de uso doméstico por meio de mobilização social. Anteriormente, todos presidentes que tentaram mudar esse subsídio foram destituídos ou enfrentaram grandes protestos que resultaram na revogação das decisões. 

O governo de Moreno não é exceção. No dia 14 de outubro o presidente oficializou a revogação do decreto que retirava subsídios aos combustíveis. Na noite anterior, dia 13 de outubro, o governo equatoriano e a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) anunciaram um acordo para amenizar a onda protestos no país.

 

Ilustração mostra silhueta de Trump com alvo na cabeça. 

A crise do governo Trump 

Donald Trump foi acusado de pressionar o presidente ucraniano Volodymyr Zelenski a investigar o ex-vice-presidente e provável candidato democrata à presidência dos Estados Unidos em 2020, Joe Biden, em ligação telefônica entre os dois chefes de Estado no dia 25 de julho. A acusação de que Trump teria utilizado de seu cargo para prejudicar um adversário e se beneficiar nas urnas baseou o pedido de impeachment contra o mandatário estadunidense.

De acordo com seu ex-chefe de gabinete, Mick Mulvaney, Trump teria ameaçado Zelenski de cortar a ajuda econômica e militar dada à Ucrânia, em troca de espionagens contra Biden e seu filho. Baseado em teorias de conspiração, o presidente estadunidense acreditava que um servidor do Partido Democrata – invadido por hackers russos – teria sede na Ucrânia e, à época das eleições de 2016, o então presidente ucraniano Petro Poroshenko teria interferido nas eleições para beneficiar a candidata derrotada Hillary Clinton.

No dia 18 de dezembro, o inquérito de impeachment foi aprovado na Câmara dos Deputados. No entanto, Trump ainda conta com o Senado, de maioria republicana. Para que o presidente seja afastado do cargo, é necessário dois terços dos votos dos 100 senadores sejam favoráveis ao inquérito.

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