Todo pedido de perdão é pouco
- 16 de dezembro de 2019
Por Norberto Liberator
No último domingo (15), após vitória sobre o Barcelona por 3 a 0, o São Paulo conquistou a Legends Cup, campeonato amistoso que reuniu equipes master de quatro clubes – além dos finalistas, competiram os alemães Bayern de Munique e Borussia Dortmund. Em campo, ex-jogadores considerados “lendários” para as respectivas agremiações. Mas não venho falar sobre o torneio.
As redes sociais se encheram de reações diversas com o anúncio de que Richarlyson comporia o escrete são-paulino. O merecido convite fora feito por Diego Lugano, seu antigo companheiro de Morumbi e atual diretor de Relações Institucionais do tricolor paulista. Ricky, que havia ficado de fora da calçada da fama do São Paulo um ano antes, declarou-se lisonjeado.
São-paulino desde a mais tenra memória, cresci com o boom do clube durante a segunda metade dos anos 2000. Na grande final da Libertadores de 2005, em que a equipe paulistana atropelou o Atlético Paranaense (ainda sem o infame “th” no nome) por 4 a 0, Ricky entrou como volante para substituir o titular Josué, que havia sido expulso na primeira partida, ocorrida no Morumbi. O então garoto de 22 anos era a encarnação do termo “raçudo”.
Foi algum tempo depois, com Richarlyson já consolidado como meio-campista titular – e algumas vezes como volante, lateral-esquerdo ou zagueiro –, que ouvi os primeiros boatos sobre sua sexualidade. Eu, à época uma criança, respondia que as tais acusações seriam “inveja”, pois assim como os detratores que faziam disso motivo de piada, também me recusava a aceitar um homossexual como ídolo do futebol.
As ofensas se tornaram cada vez mais recorrentes e, não bastassem as provocações dos adversários, Ricky teve de conviver com ataques homofóbicos da própria torcida, que, entre outras coisas, recusava-se a gritar seu nome. Mesmo com um currículo mais do que vitorioso, no qual estão assinados três títulos brasileiros com o São Paulo, além de duas Libertadores – com o clube paulista, majoritariamente como reserva, e como titular com o Atlético Mineiro –, Richarlyson foi humilhado e nunca teve o reconhecimento que mereceu, chegando a se afastar do futebol prematuramente.
Diante da postura da diretoria são-paulina no ano passado, ao ignorá-lo na galeria dos grandes ídolos do clube, seria mais do que compreensível que Ricky recusasse o convite para disputar a Legends Cup. No entanto, do alto de sua grandeza, não só o aceitou, como fez questão de deixar explícita sua felicidade em participar do evento. “Eu sou uma lenda do São Paulo e a ficha, às vezes, não cai”, declarou ao Uol.
Entre sabotagens e demonstrações de ingratidão contra sua pessoa, Richarlyson sempre provou ser um gigante. Embora nunca tenha confirmado publicamente sua suposta homossexualidade – imaginemos então se o fizesse! –, não deixou de se posicionar contra a homofobia presente no futebol e apoiou o movimento “Ele Não”, contra a eleição de Jair Bolsonaro.
O São Paulo ainda tem muitas contas com Ricky, mesmo lhe dando o status de lenda. Clube e torcida devem, no mínimo, desculpas e reparações de erros. Este são-paulino que assina o texto, outrora fanático e hoje pouco empolgado, acredita que, embora não ocorra um único pedido de perdão, se feitos, todos eles ainda seriam pouco.