Badaró convida: Franklin Schmalz

Vereador eleito pelo PT de Dourados estreia novo projeto de entrevistas em audiovisual

Entrevista: Norberto Liberator
Imagens e edição de vídeo: Maurício Costa Jr.

Em novo formato de entrevistas em vídeo, a Revista Badaró recebe o vereador recém-eleito por Dourados e primeiro parlamentar declaradamente LGBT+ do município, Franklin Schmalz. O petista falou sobre sua eleição, trajetória política, perspectivas para o mandato e para a esquerda no Brasil.

A entrevista pode ser assistida pelo vídeo, que está em nosso canal com legendas disponíveis, ou lida na íntegra logo abaixo do material.

 

Norberto: Você é o primeiro vereador eleito em Dourados que se declara LGBT. Em Campo Grande nós tivemos também a eleição do Jean Ferreira, pelo mesmo partido, levantando essa bandeira. Você considera que a eleição de dois vereadores homossexuais,  com um eleitorado muito forte entre a juventude e os dois principais municípios do estado,
revele uma mudança geracional no estado conservador, como Mato Grosso do Sul?

Franklin: Eu acredito que sim, mas eu acredito que para a gente ter chegado nesse espaço, a gente teve um acúmulo de lutas,  posso falar pela experiência talvez do Jean também, mas mais da minha,  de uma construção mais ampla para além tanto da comunidade LGBT quanto da pauta. Porque eu acho que não seria suficiente, eleitoralmente falando, chegar nesse espaço, chegar nesse lugar, pelo menos em Dourados, sem ter uma plataforma de campanha mais ampla e uma atuação política mais ampla também.

Porque não é só ser LGBT, é ser um LGBT que se considera socialista, ser um LGBT no Partido dos Trabalhadores,  E aí, eu acho que Dourados é uma cidade muito mais provinciana ainda do que Campo Grande. A gente tem algumas características ainda mais de interior, então eu acho que o eleitorado é mais disputado nesse sentido. Então, eu não sei se é uma mudança geracional ou se é um conjunto de fatores.

E aí, nesse caso, também um acúmulo de capital político. Eu costumo atribuir a última década. Porque eu acho que eu sou um quadro construído nesses últimos dez anos. Desde o movimento estudantil, a gente tem…

Começou em 2013. O que o país passou nos últimos dez anos, assim, muitas coisas, muitos processos, jornadas de junho, o impeachment, o golpe contra a Dilma,  governo Temer, governo Bolsonaro, a gente consegue depois derrotar o Bolsonaro nas urnas, enfim, todos esses processos serviram para me forjar também. E eu acho que eu acabo tendo esse resultado agora em Dourados como também uma consequência desse processo de luta.

Então, eu não acho que é só geracional. Eu acho que talvez se fosse só juventude na política, se fosse só essa bandeira, se fosse só um cara LGBT que defende essa pauta, a gente não teria chegado lá. Ainda mais com o resultado expressivo, né? A segunda candidatura mais votada da cidade, enfim.

Então, eu atribuo a um conjunto de fatores. E acho que é isso.

Norberto: Você mencionou a sua trajetória, esses mais de 10 anos de caminhada, e você iniciou a militância política no PSOL. Quando você estava no PSOL, você foi um dos candidatos mais votados para vereador, mas não assumiu devido ao quociente eleitoral. A sua ida para o PT, por um lado, ela pode ser vista como uma atitude pragmática, por não ter mais chance de ser eleito,  mas eu quero saber se você atribuiria, na verdade, a uma questão mais programática,

já que o PSOL do Mato Grosso do Sul pouco tem a ver com aqueles quadros nacionais que são referências para a esquerda e tal.

Franklin: Perfeito. Eu demorei para tomar essa decisão da migração partidária e eu vivi o PSOL intensamente durante sete anos de filiação e desde a minha entrada no PSOL eu fiz a disputa da estrutura partidária e a disputa do programa também. porque como o PT é um partido de tendências e infelizmente no Mato Grosso do Sul a gente vinha de um monopólio, digamos assim, da estrutura partidária num único grupo político já há mais de 15 anos. E nós demoramos até conseguir romper aquela hegemonia.

Mas mesmo rompendo, quer dizer, sendo parte da direção e eu ocupei um cargo, enfim, tínhamos uma maioria, não foi suficiente. para conseguir inverter a lógica, digamos assim, porque a política do PSOL no Mato Grosso do Sul, a experiência que eu tive, era de golpe atrás de golpe,  de sufocamento das nossas condições de fazer não só a disputa política eleitoral, mas também de atuar na militância. A minha primeira candidatura em 2020 foi uma candidatura muito rebelde, porque a direção do partido não queria aceitar e eu não recebi um real do fundo eleitoral.

O presidente do partido na época entrou na justiça para derrubar a nossa convenção. Então, foi sempre assim. Sempre fazendo uma disputa interna muito acirrada. E eu não sou contra a disputa interna, pelo contrário.

Eu tenho plena consciência de que no PT também existe essa disputa. Ela é saudável, mas no PSOL o clientelismo também, a conveniência uma completa falta de critério na hora de aproximar pessoas,  de aproximar candidaturas, fazia, parece que com todo o nosso esforço, ele era um esforço no final em vão, ou então desgastava muito. Não fui o primeiro que entrei no PSOL tentando fazer também essa mudança no estado.

Várias outras pessoas tinham tentado antes. E eu, num determinado momento, que foi em 2023, Depois de ter passado pelo meu terceiro congresso partidário, eu fiz a avaliação de qual batalha que eu ia travar dali pra frente. Já existia uma relação muito saudável com os companheiros do PT, que foi construída na luta mesmo, na rua, nos protestos, enfim, no movimento sindical. Então, existe um terreno fértil também para essa minha ida ao PT, por respeitar também muitas pessoas, sobretudo de Dourados mesmo.

Então, eu acho que é um conjunto de dois fatores, né? As condições do PSOL, não só as eleitorais, mas as condições de construção mesmo, e também de aplicação desse programa que você falou das lideranças nacionais. A gente olha às vezes para o PSOL, para algumas figuras, E a gente se identifica muito, né? 

Mas quando a gente entra na estrutura partidária, a gente percebe, inclusive, que algumas dessas figuras que a gente admira, elas fazem parte e se aproveitam dessa estrutura de alianças espúrias, de conchavos, pra manter espaços de poder dentro do partido. E aí essa realidade, ela pode parecer chocante, mas é a política como ela é, né? Talvez não seja a política como a gente queira que ela seja. mas é a política como ela é.

Então acho que foi esse conjunto de balanço. Eu sou muito adepto do balanço. O balanço que eu fiz, pós esses sete anos de construção do PSOL, da contribuição que eu dei na direção, era de que eu acho que eu tinha feito tudo que era possível para tentar transformar aquela estrutura. E eu chego no PT também numa condição muito diferente.

Eu fui candidato e dirigente ao mesmo tempo e eu não indico isso para ninguém. E agora no PT eu fui só candidato e já falei que não quero ser dirigente. Sei que existe o papel da liderança e sei que existe a necessidade da construção partidária e estou muito disposto a ela. mas eu fiquei um pouco exaurido, digamos assim, de forças quando eu concluí esse ciclo no ano passado.

E não me arrependo da decisão que tomei, agora que fui eleita talvez seja mais fácil falar, mas não me arrependo também porque eu acredito que olhando para o PT agora, no Estado,  olhando para outros companheiros e companheiras que se inseriram no processo de renovação de quadros também, de oxigenação, de aglutinar a força política,  de conseguir mobilizar as pessoas, e olhando para o PSOL, eu sou muito feliz pela minha decisão. E acho que foi a decisão mais acertada para a gente avançar.

porque não tem como fazer política sem gente, não tem como fazer política sem conexão com a realidade. Muito provavelmente, se eu tivesse ficado no PSOL, eu acho que não teria um desempenho eleitoral como foi o primeiro, porque as pessoas também, no capital político, não é uma coisa que dura para sempre. Então, as pessoas querem votar em quem ganha. A gente percebeu isso agora.

As pessoas também querem que dê certo. E é muito difícil a gente lidar com as expectativas políticas das pessoas. Existem muitas expectativas sobre mim. E quando eu abri a discussão, gente, não sei se o PSOL mais é o caminho, eu fiz isso de forma muito responsável e transparente dentro e pra fora, eu recebi o apoio de quase 100% das pessoas que se manifestaram.

Que compreendem também a realidade do lugar onde a gente vive. O que é construir política de esquerda no Mato Grosso do Sul. E esse apoio foi o que também me deu sustentação, porque se você sair de um processo de construção política num partido, eu levava isso muito a sério, demorei me filiar, foi doloroso também, politicamente doloroso. Muitos vínculos, muita responsabilidade envolvida, muitas pessoas que se aproximaram por conta da minha atuação, por conta da minha liderança.

Mas hoje eu sou feliz pela decisão e acho que a gente tem condição de avançar. Acho que o PSOL continua tendo uma importância para a esquerda brasileira, mas acho que no Mato Grosso do Sul precisaria mudar muita coisa para a gente conseguir avançar,  inclusive em conjunto, porque existe uma dificuldade de construir em conjunto com o PSOL, o PT e as outras forças políticas que se dizem progressistas. mas acho que agora tem que fazer balanço de novo sobre o processo eleitoral, mas eu tenho feito um balanço muito positivo da mudança partidária e também agora com esse resultado acho que fica mais fácil também de fazer um balanço positivo.

Norberto: Você mencionou essa questão da Você mencionou essa questão de Dourados ser uma cidade provinciana ainda, né? E você tem também recebido muitos ataques homofóbicos. Como você tem lidado com isso e quais são as perspectivas que vocês têm, enquanto equipe mesmo, de mandato, para lidar com esse tipo de coisa?

Franklin: Certo. Eu até esperava que esses ataques acontecessem durante a eleição, não aconteceram. Às vezes eu superestimo também um pouco a inteligência dessas figuras da extrema direita, eu acho. Mas agora, passada a eleição, lá em Dourados, primeiro eles escolheram um alvo que foi a mais votada, que é a autoproclamada dona da zona.

E aí já é um problema, um problema moral também. E depois que o foco saiu um pouco dela, veio pra mim. Mas ele veio também dessa vez porque recuperaram uma foto minha de 2022 da campanha,  uma foto que eu tirei dentro do armazém do campo com o boné do MST fazendo o L com a camiseta escrito Menos Agro, Mais Viado.

E aí, naquela campanha, isso tinha sido motivo de ameaça, etc. E agora fizeram isso de novo, com essa imagem. Então, eu acho que não dá para desassociar que quando a gente fala de direitos humanos ou de política para a comunidade LGBTQIA+, a gente acaba atingindo esse setor que está ligado ao agronegócio quase que automaticamente, né?

E aí eu virei esse alvo, então, também por essa razão, por ter feito essa crítica, né? Mas aí eu acho que eu tentei lidar nesses dias, assim, primeiro denunciando quando vira LGBTfobia, porque eu acho que a nossa presença nesse espaço agora ter virado notícia por ser o primeiro LGBT, enfim, o mais jovem, já é pedagógico pra sociedade. Eu acho que a gente tem que utilizar os espaços, então, pra falar sobre isso. Então, gente, olha, não sei se vocês sabem, mas a LGBTfobia é crime, a gente vai na polícia se a gente achar que deve ir.

E, assim, vocês vão ter que aceitar que, sim, uma pessoa, assumidamente LGBT, vai estar na Câmara a partir de janeiro de 2025. Mas a gente está um pouco preocupado em pensar estratégias não só de segurança, mas também de evitar,  e eu me preocupo com isso, que esse discurso preconceituoso nos reduza, inclusive politicamente. Porque nos atacar pela orientação sexual, pelo gênero, é uma forma também de nos excluir, de nos colocar num canto.

Então eu tenho dito, reiterado nas entrevistas, que eu sou um militante, talvez originalmente, da educação. E eu vou me incluindo em outros movimentos e me entendo também como um homem gay. E aí entro no movimento LGBT, ou seja, a minha orientação sexual e também a minha defesa dos direitos das pessoas LGBTQIAPN, é uma parte de mim. E eu acho que é importante falar isso para combater justamente essa tentativa de nos reduzir.

Porque nos reduzir E tentar nos colocar com essa pecha de “ah, é só isso”. Tem fake news já, que eu vou levar cartilha de gays pra escola, que eu vou fazer banheiro unissex. Então, assim, vamos falar de escola em Dourados, eu tô preocupada com as crianças que não tem vaga na escola e no CEIM (Centro de Educação Infantil Municipal), que todo ano tem uma fila. Então, tipo, eu acho que é um processo também de paciência e que a gente vai ter que responder também com trabalho.

Porque eu tenho deixado essa galera que tá falando assim, eu tenho deixado de falar sozinho, sinceramente. Eu acho que é também uma tentativa desesperada de alguns setores da extrema-direita de eleger alvos públicos, de construir oponentes. E a maioria dos protagonistas desse processo agora, de ataques, que aconteceu semana passada, são candidatos que não foram eleitos, que tiveram muito menos votos que eu, inclusive. E tem um que foi eleito, mas ele, não sei, criou uma fissura.

E aí, assim, eu não tô falando o nome, evito, porque eu acho que é sobre isso também. Recebi hoje mais um vídeo de um… Eu não sei se ele é pecuarista, se é o quê, mas é um cara que fingiu ser do PT, fingiu ser militante da esquerda  e aí faz um vídeo na beira de uma piscina falando que tá se aproveitando do dinheiro da corrupção, não sei o quê, foi candidato pelo PRTB.

E aí desmascararam essa fake news dele e agora ele tá fazendo comigo, usando o meu nome, enfim. Então eu acho que, sabe, Essa eleição mostrou pra gente que o centrão saiu muito fortalecido e também a direita. Só que eu acho que eles estão meio desorganizados. 

Lá em Dourados mesmo, muitas brigas internas entre si. Então acho que eles estão tentando se tornar relevantes. E aí eles vão fazer isso através de um inimigo comum. Eu desejo boa sorte, porque a gente tem uma certa experiência pra lidar com isso.

Quem fez movimento social sabe o que é. Acho que a gente tem que pensar na segurança de forma séria e responsável. Mas vamos em frente. Acho que a gente não para.

Não para por essa razão. E acho que a gente tem que criar redes. Então, penso que hoje o governo federal tem alguma condição pelo Ministério dos Direitos Humanos de dar alguma sustentação, o apoio pra nós. Eu acho que é uma tarefa do PT também pensar estratégias de segurança e de preservação desses mandatos.

Porque, enfim, a gente precisa estar vivo e a gente também precisa ter saúde pra lidar com o que vem por aí.

Norberto: Você mencionou a candidata que foi a mais votada que é a autoproclamada dona da zona e também mencionou essa disputa interna entre a extrema direita.

Franklin: Sim.

Norberto: Você acabou de falar que ela foi alvo de setores da extrema-direita, mas ela também foi eleita com uma plataforma bolsonarista, extrema-direita. Você acha que a própria eleição dela, como a mais votada, também não revela um caráter dúbio, uma certa hipocrisia desse setor que fala tanto em família e demais?

Franklin: Com certeza. Eu acho que domingo, dia da eleição, foi um dia difícil para a Dourados conservadora. Em primeiro lugar, a dona da zona. Em segundo lugar, um gay do PT.

Então, eu acho que deve ter sido um dia difícil. E a reação deles mostrou isso também. No caso dela, ela já foi muito mais bolsonarista, eu acho. Não que ela deixou de ser, mas é que os grupos políticos têm disputado tanto o espólio do Bolsonaro quanto os espaços que eles vão conseguir ter para se alocar.

Então, por exemplo, ela saiu do PL por brigas internas, caiu no Republicanos. O Republicanos em Dourados, até nessa legislatura, tem um único vereador que é muito conservador. E ela deixou ele para trás, ele não conseguiu ser reeleito. Ela foi eleita.

Em segundo lugar, uma candidata que foi secretária de educação, que tinha uma estrutura muito considerável de campanha, e ele ficou para trás. E outros candidatos do próprio partido dela, ainda durante a campanha, fizeram intrigas. Eles brigaram publicamente, processos e etc. Então, eu acho que realmente é muito contraditório que ela tenha conseguido alcançar essa posição com essa plataforma.

Só que eu acho também que tem que levar em consideração o seguinte, ela foi pra rua com o colete de fiscal do povo, entrou dentro de buraco, ia na UPA, encheu o saco lá e etc. Então, um apelo popular também considerável. Acho que a gente tem que olhar pra isso com certa atenção. Enquanto que outros candidatos bolsonaristas talvez tenham disputado votos entre si.

Então eu tenho tentado explicar mais ou menos essa eleição dessa forma. Mas não deixa de ser um choque. O problema é que esses tempos a imprensa entrou em contato comigo e com ela para fazer uma matéria sobre vereadores LGBTs. E aí ela se recusou, inclusive dizendo que ela é do tempo do GLS.

Porque existe essa conversa sobre, esse questionamento sobre a sexualidade, né? E eu acho que não é tarefa nossa fazer, né? Mas ela lida com isso dessa forma: “não vou falar sobre isso, não quero falar sobre isso, não encampei nenhuma pauta LGBT durante a campanha, não falo com vocês, se sair meu nome na matéria eu vou processar”. Posição dela, né?

Aí até o rapaz da imprensa falou assim pra mim: como que você pensa que você vai estar sozinho lá na campo, você não vai poder contar com ela? Eu falei assim: mas eu nunca achei que eu fosse contar com ela. Nem pela pauta, nem pelo programa, porque a gente tá em dois opostos. Mas eu fico pensando que algumas experiências que aconteceram aqui em Campo Grande, por exemplo, Rafael Tavares, Thiago Vargas, se parecem muito com isso que é a Constituição em Dourados agora.

Pelo menos duas figuras que foram eleitas, ela e um outro lá que é sargento, que são muito esse suco do bolsonarismo e do que o bolsonarismo produziu. Na última eleição, eles não conseguiram eleger ninguém assim. Então, até o mais conservador, até o mais bolsonarista, eu diria que era moderado, pelo menos na posição dentro da Câmara. Agora isso muda.

Norberto: Esses personagens. 

Franklin: É, esses personagens. E aí eu tô até curioso pra saber como é que vai ser essa rotina na Câmara com, agora, esses personagens. E também porque somos 11 vereadores novos e 10 reeleitos.

Então uma renovação considerável de figuras na Câmara. Mas eu sempre aposto na briga deles. Quanto mais eles brigarem entre si, melhor pra nós.

Norberto: O PT aumentou 462 vereanças durante a eleição deste ano. No entanto, os partidos que mais cresceram foram o MDB, PSD, PL, Republicanos e PP. Se nós contarmos as legendas mais votadas, sem comparar 2020, ainda podemos adicionar o União Brasil. Como você avalia esse cenário?

Qual o balanço que você faz? Esse crescimento do PT, mas que também é bem menor em comparação.

Franklin: Eu acho que depois de tudo que a gente passou nos últimos anos, de uma campanha jurídica, midiática,  de destruição do Partido dos Trabalhadores e de destruição da esquerda, esse nosso crescimento precisa ser avaliado como muito positivo. Resistimos, conseguimos superar esse processo, conseguimos voltar a ter capilaridade eleitoral, enfim, temos o governo federal, mas o balanço geral que a gente precisa fazer é de que,  primeiro, o Centrão é uma força política que cada vez mais se enraíza na estrutura da política brasileira.

E a extrema direita está com várias roupagens, eu acho. Da direita até a extrema direita, agora você nomeou, por exemplo, União Brasil. É um partido que vem de uma fusão. Tem agora também o outro, o PP, que já é um partido mais antigo.

Mas aí o PSDB que também perde força, assim como alguns outros partidos mais tradicionais,  mas eu acho que eles conseguiram constituir várias possibilidades de construção político-partidária, Republicanos, esqueci, Republicanos, PL, União Brasil, enfim. Esses partidos, alguns menos de direito do que os de outros, eles demonstram pra nós, eu acho, que a sociedade brasileira nesse momento,  ela é uma sociedade que tá cada vez mais conservadora e reacionária.

E eu acho que esse balanço, eu tô fazendo impressões, tá? Impressões minhas, porque eu acho que o espaço do balanço do partido não aconteceu ainda. Vai acontecendo, né? Com o tempo.

Mas isso coloca pra nós uma dificuldade muito grande de avançar, porque como é que a gente avança no Congresso Nacional hoje? Com a configuração que nós temos? de um congresso nacional que tem muita força política. Aí eu não sei, a saída vai ser o quê?

Ou a gente vai mudar de sistema de governo, a gente vai aderir ao parlamentarismo, ou a gente vai fazer uma reforma política. que consiga de fato alterar essa lógica, que é a lógica do clientelismo, que é a lógica do empresariado, do agronegócio,  que manda na política e que constrói essas possibilidades, inúmeras possibilidades. Porque daí também eles trocam de partido, eles se fundem, eles mudam a cor e tal.

Mas a gente tá falando de uma estrutura que vai dançar conforme a música. E eu não sei até quando que nós vamos conseguir, nós aí, governo Lula inclusive, sustentar essas relações. Porque já ouço algumas avaliações de que a gente vai precisar ampliar a frente ampla. Eu não sei pra onde.

Para onde a gente vai ampliar a frente ampla? E aí se a gente for ficar torcendo com a sorte de não ter um Bolsonaro elegível, ou seja, inelegível,  e aí torcendo que não haja uma outra figura proeminente de força política, é muito difícil a gente contar com isso. Faz parte, é um elemento da cultura e tal, do contexto, mas nós estamos menores ao longo do tempo.

E aí eu não sei qual é a saída ainda. Eu acho que eu não tenho resposta para esse problema, mas eu faço uma avaliação geral como negativa e eu vejo pouca condição da gente avançar. Avançar em que? Avançar em política pública, avançar em distribuição de orçamento, avançar no projeto de país que a gente defende, porque se Uma parte considerável do orçamento é para a emenda?

Quem está governando o país? É o Arthur Lira? Então, né?

Norberto: Pegando esse gancho das eleições parlamentares, municipais, das vereanças, o dinheiro para o executivo, o PT subiu de 179 para 248 prefeituras nesse primeiro turno, nenhuma delas são capitais. As disputas do segundo turno são em 13 municípios, sendo 4 capitais, Cuibabá que é uma surpresa, Porto Alegre, Natal e Fortaleza. E as duas últimas chamam a atenção porque o perfil dos oponentes mostra um crescimento do bolsonarismo no Nordeste.

Franklin: Sim, preocupante.

Norberto: E nas duas maiores capitais, o partido abriu mão para apoiar o Guilherme Boulos, do PSOL, em São Paulo, e Eduardo Paes, do PSD, no Rio. Franklin: Sim. Norberto: Qual o balanço que você faz dessa situação das prefeituras do PT?

Franklin: Que bom também, de novo, que a gente conseguiu recuperar espaços e que tem algumas surpresas como essa que você colocou. Sobretudo, Cuiabá, Fortaleza também pra mim é uma surpresa, né? Porque eu pelo menos não conhecia muito a figura política do candidato. Mas também tem o Rio Grande do Sul, com a Maria do Rosário, que também foi uma pessoa que tentaram destruir a biografia dela.

Natália Bonavides, que é uma pessoa que eu acompanho ainda antes de estar no PT, que eu acho que é uma liderança jovem muito importante do partido. O crescimento da extrema-direita no Nordeste, eu acho que talvez a gente devesse ter previsto isso, como um efeito também mais tardio, de esgotamento talvez de alguns modelos. Porque no caso de Fortaleza, o Sarto ficou em terceiro lugar. Ele era apoiado pelo PT até então, era um governo de coalizão, ele é do PDT, enfim.

Eu acho que é preciso a gente pensar se Tanto os quadros políticos quanto os modelos de gestão pública e também os modelos de relação com o povo,  com os movimentos sociais, eles têm dado certo, porque eu acho que eles também demonstram um certo esgotamento ao longo do tempo. E aí não dá pra gente esperar que as pessoas não queiram mudança.

Se elas não verem rostos diferentes, se elas não verem propostas diferentes, elas não vão votar simplesmente porque é o partido. A gente tem uma base eleitoral consolidada. O Lula tem uma base eleitoral consolidada, mas não significa que a pessoa que votou no Lula aqui em Campo Grande vai votar na Camila Jara. Não existe essa transferência de voto.

Aí eu acho que a gente precisa, quando eu falo de renovação também dos quadros, né, e eu citei a Natália, lá em Dourados mesmo, durante a campanha, várias pessoas assim: “nossa, pena que é do PT”. algumas iniciativas que a gente apresentou durante a campanha, inovadoras, diferentes e tal. Outras: “não gosto do PT, mas vou votar”. Eu acho que a gente precisa talvez ser um pouco mais ousado às vezes, tanto do ponto de vista da proposta, quanto também da atuação e do perfil.

Antes, nos bastidores, a gente estava conversando que a extrema direita faz o quê? Faz qualquer coisa, não tem muito pudor. Eu acho que a gente precisa de alguns perfis um pouco mais dispostos. A gente não vai jogar o jogo nivelado por eles, não é isso.

Mas a gente tem que ousar um pouco mais, eu acho, às vezes. Eu sinto falta, por exemplo, de mandatos um pouco mais combativos no Legislativo. É uma intenção nossa, inclusive, construir um mandato na Câmara de Vereadores que seja um mandato um pouco mais combativo, um mandato um pouco mais presente, um mandato que fale o que precisa ser dito. e respeito muito a trajetória dos companheiros que já estão aí, mas a gente tem que tentar se conectar, criar conexões com as pessoas e mudar essa impressão que elas têm, tanto do PT quanto da esquerda, pela prática. 

Eu acho que a nossa prática política deve ser o critério daquilo que nos diferencia e daquilo que nos aproxima das pessoas. Eu percebo, por exemplo, em Campo Grande, a gente tem Rose, que está no União Brasil, que fazia parte também de um grupo do PSDB, que depois se mudou, enfim.

E Adriane, que tem tentado representar o bolsonarismo, raiz, enfim. Mas não deixa de ser também um sintoma. A gente está, mais uma vez, tendo que escolher entre o menos pior. E é óbvio que a gente tem que ter coragem de tomar essa decisão agora, assim como muitos de nós tomaram na eleição para governador do Riedel e do Contar.

Mas nunca perder de perspectiva de que a gente não pode esperar muito desses governos futuros e de que a gente tem que arrumar um jeito de construir força política para os nossos quadros. E aí eu acho que o partido precisa priorizar, talvez, essa formação de quadros novos e também o interior. Porque no Mato Grosso do Sul a gente é muito foco de resistência, né? “Nossa, olha lá que legal, tem um LGBT lá”.

“Nossa, olha aquela menina lá nova lá”, sabe? “Parabéns, viu?” Só que aí quando a gente vai falar da construção partidária, quando a gente vai falar de financiamento de campanha, é muito difícil construir uma campanha, né? Nem tô falando por experiência própria, porque eu acho que a gente fez vaquinha e tal, financiamento coletivo, é a política que a gente acredita também, mas pensa o que é construir uma campanha de vereança em Itaporã, pelo PT.

Uma professora. Estou dando um exemplo. Entendeu? Uma companheira indígena.

Em Dourados, a nossa primeira suplente é uma mulher indígena. Tem muito potencial. Qual vai ser a nossa condição de dar estrutura para essa pessoa ocupar um cargo? Eu falei do exemplo de Dourados porque tem duas aldeias indígenas que elegeriam três vereadores com facilidade.

É o eleitorado mais nosso, inclusive. Mais petista, enfim. Mas a direita tá lá, tá disputando. E aí?

A direita tá disputando o Nordeste. Aí nós vamos, talvez, perder uma região do país onde, historicamente, a gente segura as pontas. Isso é muito complicado.

Norberto: Cê acha que enquanto a direita caminha cada vez mais para a extremidade,  a esquerda vai fazendo cada vez mais concessões achando que isso é a solução e acaba perdendo apoio popular justamente por causa disso?

Franklin: Talvez, eu não vou fincar como a razão, mas eu acho que a gente precisa avaliar se está valendo a pena a política das concessões. A gente precisa avaliar se está valendo a pena compor um governo estadual no Mato Grosso do Sul. 

O que isso tem de fato significado para a nossa construção? Porque eu até entendo que numa disputa com a extrema direita, como foi em 2022, fosse importante ou fosse necessário fazer alianças mais para o centro, até com alguns setores mais tradicionais, enfim, da direita. Só que tem dado certo. Eu acho que a gente encontra uma certa limitação. E daqui pra frente a gente deveria avaliar se o caminho não seria a radicalização também. Porque quem está radicalizando?

Quem tem sido visto? Nesse último período todo, até um pouco antes do Bolsonaro, claro, quem é o setor na política que é o setor antissistêmico? Quem é o setor antissistêmico? Não somos nós.

Não somos nós que somos antissistêmicos. E aí a política da concessão, dessas alianças da frente ampla, elas mostram a gente cada vez mais dentro do bolo do sistema. A gente está cada vez mais parte do sistema, e aí eu acho que para as pessoas que estão desacreditadas na política, que enfim,  não acreditam mais em nada, elas vão votar nesse cara que está esbravejando por aí, que está pregando ser contra o sistema.

E aí eu acho que nós da esquerda, nós temos condição de sermos antissistêmicos com qualificação, o que a direita não consegue. E aí a gente precisa pensar talvez só quais são as nossas táticas pra isso, né? As táticas do discurso, da postura política, das propostas que a gente faz, enfim. Acho que tem algumas experiências por aí, mas é uma pergunta que não tem uma resposta, assim.

Que problema, né? É um problema. 

Norberto: Para finalizar, o que é que o eleitorado de Dourados, a população de Dourados, pode esperar do mandato do Franklin? 

Franklin: Eu acho que pode esperar um mandato, um mandato participativo, um mandato que faça articulação, não só com os movimentos, mas com a sociedade civil, com as outras possibilidades de nós encontrarmos soluções para os problemas. 

Acho que o vereador precisa sair do gabinete, sair das funções mais estritas do regimento interno, aprovar projetos de lei, dar moção honrosa, nome de rua. Eu acho que nós temos uma tarefa, uma condição, pela nossa experiência de militância, de fazer articulação com outros setores, de fazer articulação com o próprio Governo Federal, com o Governo Estadual, se for necessário. E a gente já tem feito isso, então tentado construir articulações políticas para ampliar a nossa atuação.

Agora, sinto muita falta, em Dourados, de coisas básicas também, como, por exemplo, de mais fiscalização, que eu acho que é um dos papéis principais da vereança. assim como do próprio debate político em si na Câmara. É um espaço muito parado, um espaço que, assim, você vai numa sessão, os vereadores pouco falam, mal respondem à presença na hora de registrar o voto, e aí eu acho que isso também afasta as pessoas da política. Então, acho que a população também pode esperar que a gente quer utilizar algumas ferramentas, como a própria comunicação, as redes sociais,

Enfim, para tornar o mandato mais transparente e as ações da Câmara também, para que as pessoas saibam o que está acontecendo. Eu acho que isso é muito importante. A partir da tomada de consciência e de conhecimento, é possível você fazer mobilização, é possível você levar as pessoas, as partes interessadas para dentro da Câmara, para talvez pressionar, cobrar, aprovar um projeto de lei. Acho que tem muita expectativa envolvida nesse mandato, eu sinto isso, e eu sinto expectativa em forma de responsabilidade.

Então, para mim, é muita responsabilidade envolvida. Eu tenho falado que os vereadores trabalham pouco, e eu acho que a gente vai ter que trabalhar muito nesse sentido, de realmente fazer um mandato que faça a diferença, que mude também um pouco da visão das pessoas sobre a Câmara e que se torne referência. Eu acho que assim, a gente tem uma tarefa enquanto partido e esquerda de se tornar referência e eu assumo pra nós essa responsabilidade de que a gente possa, tem um companheiro lá que é o Elias,  fazer uma atuação na Câmara que seja uma atuação de oposição ao governo futuro do PSDB, que seja uma atuação propositiva, qualificada, aguerrida, e que também tenha impacto social na vida das pessoas.

Eu acho que o mandato, pela estrutura que tem, pode promover ações que tenham impacto social e que também sejam um bom exemplo. Eu acho que a política precisa de melhores exemplos, sabe? Então acho que isso pode ser um pouco pedagógico também. 

Então acho que pode esperar da gente muito amor também, eu acho, porque a gente defende uma política que é uma política que dialoga, que é uma política que ouve, que é uma política que traz as cores no sentido da diversidade, da raça, do corpo, enfim, das etnias para dentro da Câmara, mas também uma política que não vai se acovardar.

Uma política que não vai deixar de colocar o dedo na ferida quando necessário e que vai tocar alguns temas que são importantes, como por exemplo a pauta ambiental,  que eu acho que é um problema que poucas pessoas falam e que poucas pessoas falam porque tem, por exemplo, o receio de ir de encontro com os interesses do agronegócio, enfim, então eu acho que a gente vai estar disposto a encampar essas pautas e essas lutas.

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A  B a d a r ó  f a z  u m

j o r n a l i s m o  i n o v a d o r,

ú n i c o  e  i n d e p e n d e n t e.

 

E n f r e n t a m o s  o s

i n t e r e s s e s  d o s  m a i s

p o d e r o s o s,  m e s m o

s e m  m u i t o s  r e c u r s o s.

 

C o n t r i b u i n d o  p a r a

c o n t i n u a r m o s  n o s s o

t r a b a l h o,  v o c ê  r e c e b e

n o s s a  r e v i s t a  i m p r e s s a

e  o u t r o s  m a t e r i a i s

e x c l u s i v o s.

 

P l a n o s  a  p a r t i r  

d e  1 0  r e a i s

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