Educação de jovens, adultos e idosos enquanto direito

Histórico de negação ao acesso à educação é resultado de projeto das elites

Professor Francisco Givanildo dos Santos

 Quando pensamos a educação no Brasil, de imediato ganha força a seguinte dualidade: um histórico de negação ao acesso e permanência na escola para as camadas populares; por outro, o reconhecimento da importância do conhecimento escolar para “ser alguém na vida”, em especial no período mais recente.

O modelo de colonização baseado no trabalho escravo, o desenvolvimento capitalista dependente e o “espírito vira-latas” e autoritário das elites do país talvez expliquem, um pouco, nosso déficit educacional, enquanto instrumento de desenvolvimento de um povo em suas múltiplas dimensões.

O acesso gradativo à escola pública que a classe trabalhadora teve foi resultado, em grande medida, de sua organização e de sua luta. Nos relativos momentos de democracia liberal, alguns avanços foram alcançados no tocante aos direitos políticos, civis e sociais. 

As lutas e desafios pelo direito à educação de jovens e adultos remontam desde a década de 1950, mas inegavelmente o direito constitucional, bem como a elaboração e implementação de políticas públicas educacionais assegurando educação para todos são muito recentes, num país em que o regimento de colaboração é bastante frágil e condicionado aos interesses políticos. 

Um marco importante nesse processo foi sem dúvida o conjunto das conquistas sistematizadas na Constituição de 1988, que prioriza no arcabouço jurídico os direitos sociais, em especial a educação enquanto direito de todos e dever do Estado e da família. 

Reconhecendo a existência histórica de uma demanda significativa que não teve acesso à escola, em defasagem idade-série, a carta magna de 1988, artigo 208, inciso I, afirma que é função do Estado a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, por meio de cursos e exames que considerem as características dos alunos, seus interesses, condições de vida e de trabalho.

A educação de jovens e adultos enquanto modalidade de ensino, “será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”, determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo 37, número 9.394/96.

Quando procuramos identificar socialmente os sujeitos reais que tiveram seus direitos de acesso à escola violados quando crianças, adolescentes, adultos e idosos, estamos falando majoritariamente da classe trabalhadora, combinada a um recorte de gênero e racial. As salas de EJA são indicações dos traços importantes da sociedade brasileira, dos quais destacamos um percentual significativo de mulheres que deixaram de estudar para se dedicar a família e, também, um histórico de violência doméstica 

O censo escolar de 2023, publicado pelo MEC  em fevereiro deste ano, apresenta que quase 70 milhões de brasileiros e brasileiras não concluíram a educação básica, indicador do quanto é limitado o grau de escolaridade de uma parcela significativa da população de nosso país. 

Quando consideramos o quadro em Campo Grande, quase 5% da população acima de 15 anos constam sem instrução e com menos de um ano de estudo, 26% acima de 15 anos não concluíram o ensino fundamental e 40% acima de 18 anos não concluíram o ensino médio.

São dados da PNAD ( Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) 2023, apresentados pela professora Maria Joana Durbem Mareco na audiência pública “Por Uma Política Municipal para Educação de Jovens, Adultos e Idosos”, realizada pela Câmara Municipal, em dezembro do ano passado.

Mais do que isso, a reconhecida educadora, estudiosa e militante da educação de jovens e adultos apresentou que a EJA tem sido ofertada como apêndice do ensino obrigatório regular, com currículos reduzidos e aligeirados, sem considerar as necessidades e especificidades dos estudantes,e em poucas escolas, porque a política dominante nos últimos anos foi de fechamento de turmas de EJA, material didático inexistente ou inadequado. 

Enquanto professores da EJA em Campo Grande, temos presenciado ao longo do tempo que essa modalidade de ensino tem sido negligenciada pelas diversas gestões municipais, tratada em segundo plano das ações, projetos e programas de educação. 

Como se os sujeitos que atuam e frequentam as salas de EJA não existissem de fato e direito, sejam os profissionais envolvidos, sejam – sobretudo – nossos estudantes. É inegável que há um esforço de constituição de uma equipe na Semed (Secretaria Municipal de Educação) voltada para a educação de jovens e adultos, que procura estabelecer um diálogo com profissionais envolvidos na EJA, mediados pelo Sindicato dos Profissionais da Educação Pública de Campo Grande, ACP.

Entretanto, não existe por parte da Semed, no seu conjunto, uma ação que vise protagonizar a constituição de uma política pública municipal robusta de Educação de Jovens, Adultos e Idosos voltados para atender a demanda efetiva por EJA de maneira intersetorializada, democrática e universalizante. Ainda persiste uma concepção oficial de considerar a EJA enquanto um projeto político-pedagógico, e não uma modalidade de ensino no seu sentido mais elevado e com especificidades, que requer carreira e salário para seus profissionais, combinado com formação inicial e continuada, condições dignas de trabalho, material didático específico para EJA. 

Está em curso no país um movimento em defesa da Alfabetização e da Educação de Jovens, Adultos e Idosos, que exige do governo federal uma política pública nacional robusta para atender a milhões de brasileiros e brasileiras no seu direito de acesso e permanência na escola. 

Os fóruns de EJA em todo Brasil têm se rearticulado, e em Mato Grosso do Sul não foi diferente: realizou-se no final do ano passado o Encontro Estadual da Educação de Jovens e Adultos, articulou-se a participação de representantes do estado na audiência pública na Câmara dos Deputados em Brasília, sobre a EJA, e demais iniciativas com vistas a fortalecer a luta pela garantia do direito à educação pública para todos e todas.

Neste processo de reconstrução de políticas públicas em nível nacional,  voltadas para a garantia de direitos sociais, em especial da educação pública, gratuita e de qualidade, ganhou relevância o lançamento, em Brasília, da política nacional de educação de jovens e adultos. É evidente que a materialização depende das gestões municipais e  demais  sujeitos que acreditam e defendem esta modalidade de ensino, enquanto um direito de todos e todas, na perspectiva de elevação da escolaridade da maioria da população brasileira.   

Francisco Givanildo dos Santos, professor das redes estadual e municipal de ensino, mestre em Educação e vice-presidente do Fórum Estadual da EJA em Mato Grosso do Sul.

 

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