Muros de Maceió retratam memórias destruídas pela Braskem
- 28 de novembro de 2023
Atuação de empresa petroquímica foi apontada por relatório como responsável por destruição em bairros de Maceió; vítimas relatam falta de responsabilização sobre atuação da multinacional
Por Carolina de Mendonça
Há cerca de cinco anos, Maceió (AL), cidade litorânea que está aproximadamente a nível do mar, sofre um desastre ambiental por conta da empresa petroquímica Braskem. Em 2018, houve um tremor de terra sentido em alguns bairros por conta da ação da multinacional. Após isso, os bairros atingidos, aproximadamente cinco, começaram a ser evacuados, pois estavam “afundando”.
As problemáticas ambientais não são novidade no Brasil e carregam diversas características em comuns. Nos casos mais latentes, são provocadas pela ação predatória do capitalismo — grandes empresas são os principais agentes causadores da destruição — e quase sempre acabam sem a responsabilização dos culpados.
Há oito anos, por exemplo, em novembro de 2015, Mariana (MG) sofria um dos maiores crimes ambientais do mundo, com o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton. O episódio resultou em 19 mortes, um aborto, deixou 350 famílias sem casas e atingiu mais de um milhão de pessoas em 46 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo.
Em 2020, o bioma do Pantanal sofria com o maior índice de queimadas já registrados por diferentes órgãos, incluindo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), provocados comprovadamente pelo agronegócio, conforme relatório do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS).
O mesmo setor agropecuário é apontado como o causador da seca histórica e queimadas que têm afetado a qualidade do ar no bioma da Amazônia — com a culpa sendo jogada lado a lado pelos governos do Pará e Amazonas.
Em todos os casos, é sabido quem são os responsáveis, mas a justiça nunca é feita. Em Mariana, por exemplo, mais de 250 reuniões foram feitas com as famílias, conforme o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), mas as negociações entre governos de Minas Gerais e Espírito Santo, além do Ministério Público, foram encerradas ano passado indenização, já que Samarco, Vale e a BHP Billiton se recusaram a pagar valores requeridos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
No caso de Maceió, mais de quatro anos depois de relatório que atribui de forma conclusiva a determinação da mineração da Braskem sobre os danos nos bairros, a responsabilização criminal é uma lacuna que ainda permanece. Investigações da Polícia Federal (PF), iniciadas ainda em 2019 , após requisição do Ministério Público Federal (MPF), ainda não foram finalizadas e seguem sob sigilo.
A tragédia ambiental que abalou o bairro Pinheiro, um dos mais tradicionais da capital alagoana, ganhou destaque após tremores de terra e danos estruturais devastadores, sentidos por moradores em março de 2018. A região deparou-se com rachaduras em edifícios, ruas esburacadas, afundamento do solo e crateras.
Inicialmente, forte temporal em fevereiro de 2018 reforçou danos estruturais já existentes. Nas semanas seguintes, os residentes sentiram os tremores, com suspeita de afundamento de solo ou até mesmo a antiga infraestrutura de esgotamento sanitário como possíveis causas subjacentes.
Os efeitos não se limitaram ao Pinheiro, já que bairros vizinhos, como Mutange e Bebedouro, também começaram a sofrer efeitos similares.
O Serviço Geológico do Brasil (SGB) liderou estudos para descobrir as origens do episódio e, à medida que as pesquisas avançavam, o caso ficou cada vez mais complexo e evidente que não se tratava de um fenômeno geológico natural.
Um ano após o primeiro tremor, após análises minuciosas e envolvimento de 52 pesquisadores, o órgão concluiu que a extração mineral de sal-gema pela petroquímica Braskem era a principal culpada pelos danos. O fenômeno foi identificado como “subsidência”, um afundamento da superfície devido a mudanças no suporte subterrâneo.
O processo contou com a participação da Defesa Civil Municipal e, posteriormente, da Defesa Civil Nacional em cooperação com o SGB. Juntos, identificaram edifícios com danos graves, exigindo evacuação imediata, começando pelo bairro Pinheiro e se estendendo a outros.
A mineração de sal-gema na região da Lagoa Mundaú, em Maceió, remonta à década de 1970. Antes da divulgação do relatório do Serviço Geológico do Brasil, antiga Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), havia 35 poços de extração na área urbana. A instabilidade dessas crateras pressurizadas e seladas resultou nos danos visíveis na superfície.
Cientistas envolvidos afirmaram que o tremor de março de 2018 resultou do colapso de uma dessas minas. Além disso, os relatórios destacam a existência de outras minas deformadas e desmoronadas, indicando a possibilidade de mais tremores.
Desde o incidente inicial, o MPF em Alagoas assumiu a liderança na investigação, buscando identificar as causas subjacentes e, principalmente, garantir a segurança da população afetada.
Uma das diversas consequências do caso foi o aumento de preços do mercado imobiliário em território maceioense, conforme reportagem publicada pela Agência Tatu. Entre de 2019 e 2022, o valor por metro quadrado saltou de R$ 4.992 para R$ 6.494, um aumento superior a 30%, em média. O crescimento colocou Maceió como a segunda capital brasileira, e a primeira no Nordeste, a experienciar o maior aumento imobiliário neste período.
Vale destacar que houve deslocamento de mais de 50 mil pessoas dos bairros impactados pela mineração irregular de sal-gema pela Braskem.
Em carta aberta, lideranças de movimentos de vítimas da petroquímica – que seguem sem justiça – reivindicam devida responsabilização da empresa, calculando pagamento de, ao menos, R$ 200 mil em indenização para cada morador, trabalhador ou empreendedor dos bairros atingidos diretamente pela atuação da empresa, de acordo com o jornal Mídia Caeté.
“Há evidências que comprovam que a deformação nas cavernas da mineração teve papel predominante na origem dos fenômenos que estão causando danos na região estudada”, diz a conclusão do estudo elaborado pelo SGB, que é vinculado ao Ministério de Minas e Energia.
A Braskem tem se colocado como “colaboradora” de toda a situação, ao tempo em que coleciona acordos com órgãos públicos que já lhe renderam a compra dos terrenos dos quatro bairros afetados pela mineração que ela mesma proporcionou.
Em julho, a petroquímica assinou um acordo com a prefeitura de Maceió para pagamento de R$ 1,7 bilhão por conta do afundamento. Além disso, a Justiça determinou que houvesse pagamento de valores ao governo do estado.
Segundo a empresa, 93% das propostas de “compensação financeira” às famílias afetadas foram pagas. No entanto, moradores dos bairros de Flexal de Cima e Flexal de Baixo reclamam que os R$ 25 mil oferecidos pela multinacional não são adequados para os prejuízos que tiveram com o incidente.
Além disso, os repasses bilionários foram feitos somente ao governo e à prefeitura, o que também foi criticado pelo MUVB — a entidade concorda com o pedido da gestão estadual de que a mineradora só retorne suas atividades depois de indenizar devidamente as famílias.
Lambe-lambes retratam memórias perdidas dos bairros maceioenses
Em 2020, o projeto “A Gente Foi Feliz Aqui” surgiu na cidade, pelas mãos do artista plástico Paulo Accioly, que buscou dar vida aos bairros recém-abandonados da capital alagoana, através da colagem de lambes de fotografia dos antigos moradores ou pessoas que conviviam no bairro Pinheiro – o primeiro a ser afetado – em situações que foram felizes, como festas de aniversário de criança ou momentos com os familiares. Além da colagem, era feita uma curta entrevista com a pessoa que morava no local, sobre as memórias da vida ali que foi interrompida de maneira drástica.
“A cidade mudou toda sua dinâmica por conta do que aconteceu. A gente tem alteração em trânsito, um êxodo gigantesco de moradores, então temos uma mudança da dinâmica da cidade gigante. De ônibus, de carro, da padaria que compro meu pão, da escola que a filha estuda, do ballet que a filha vai, então essa alteração da dinâmica é muito visível. Porque muita coisa fechou, muita coisa mudou.”
O artista visual maceioense Paulo Accioly morou durante cinco anos no bairro Pinheiro. Estudou em outro estado sobre a técnica de lambe-lambe, quando a problemática se acentuou, fazendo com que seus pais precisassem mudar de casa. Longe de Alagoas, Paulo percebeu que o crime ambiental que ocorria em sua cidade natal não era divulgado e que “era muito difícil de encontrar [informações] sobre o bairro, sobre o que estava acontecendo, sobre os danos, sobre qualquer coisa”. Como forma de comunicar sobre a tragédia em Maceió, ele resolveu usar de sua arte criando o projeto A Gente Foi Feliz Aqui, que utiliza fotografia, lambe-lambe e entrevista para perpetuar a memória dos antigos residentes do bairro.
O lambe-lambe é uma intervenção efêmera, pois por usar papel, ela facilmente é destruída com ação da luz, água, vento e humana. “A técnica foi escolhida pela ideia de que o bairro estava se acabando, então as histórias estavam se acabando, as pessoas estavam se afastando”. O projeto inicialmente visou um momento que os imóveis da região seriam destruídos e desta forma, o artista faria filmagens e fotografias de tais momentos, junto às imagens das pessoas que viviam nos locais, coladas nas paredes. “A ideia veio com a proposta da efemeridade mesmo, de ser uma técnica que seria tão passageira quanto o bairro. Infelizmente”.
Contudo, a ideia preliminar não foi adiante, muitas das paredes do bairro ainda estão de pé e, com o desenvolvimento, o artista passou a se interessar mais pelos relatos que as imagens. “Então meio que o lambe se tornou uma forma de chamar atenção para um depoimento. O projeto está mais focado na história que na imagem”, relata Paulo.
O uso das redes sociais foi de suma importância para desenvolver encontrar pessoas dispostas a contar suas histórias e ceder sua imagem. Paulo Accioly usou o Instagram e Twitter para contatar antigos moradores. Por ter executado o projeto a partir de 2020, muitas pessoas ainda moravam no bairro, apesar do risco de desmoronamento e afundamento, por entre outras dificuldades o crescente risco da pandemia de Covid-19.
A internet também auxiliou para tirar o isolamento do caso através da arte de Paulo. Usando legenda em português e inglês, escolheu o Instagram como ferramenta entre o trabalho e o público. “O que é mais popular, fácil, barato e todo mundo tem acesso? Não tem outra forma. Se eu só fizesse só fotografias, só entrevistas. Seria outra possibilidade fazer uma exposição, mas não teria o impacto que tem a rede social. Tanto que a gente tem esse retorno. A gente tem uma visibilidade gigantesca, teve no Instagram na época que o projeto estava ativo. O projeto existe por isso, para ter possibilidade de dar difusão”, explica o artista.
Contudo, realizar a intervenção não foi uma tarefa simples. Por ser completamente financiado pelo próprio artista, o projeto precisou limitar a quantidade de histórias contadas, visto os custos dos materiais. As pessoas que se envolveram no projeto eram voluntárias e havia uma rotatividade de ajudantes. Ainda assim, Paulo conta alegremente que sempre tinha pessoas para ajudá-lo.
Além do empecilho logístico, o artista e os voluntários também sofreram com perseguição da Braskem enquanto realizavam as colagens e fotografias. Outro problema foi muita perseguição da empresa. “A gente sentia os seguranças sempre atrás da gente. A gente sentia uma pressão, quase uma guerra fria acontecendo ao mesmo tempo que a gente estava fazendo essas intervenções. Que a gente não era bem-vindo. A gente estava botando o dedo na ferida e eles não gostaram. Tudo bem. A gente estava ali para isso”, descreve.
Apesar dos crimes ambientais, a empresa segue como uma das principais patrocinadoras do BBB 23, por exemplo, reality show que faturou mais de R$ 1 bilhão em 2023 à emissora Globo.