Badaró entrevista Leonardo Péricles, candidato à Presidência da República

Léo Péricles disputa as eleições presidenciais pela UP (Unidade Popular pelo Socialismo)

Entrevista por Carolina de Mendonça
Arte por Marina Duarte
Colaboraram Guilherme Correia, Mylena Fraiha e Norberto Liberator

1929 foi um ano turbulento. Em meio à crise econômica mundial, as burguesias do mundo inteiro buscavam uma forma de barrar o “perigo vermelho”. A União Soviética era um dos únicos países a não ser atingidos pela quebra na Bolsa de Nova York, fato ressaltado por comunistas mundo afora. 

No Brasil, o Partido Comunista elegeu dois intendentes (vereadores) no Rio de Janeiro: Octávio Brandão e Minervino de Oliveira. O PCB seria colocado na ilegalidade no final daquele ano, assim como a propagação do comunismo. Um duro golpe, já que haveria eleição presidencial no ano seguinte. No entanto, havia uma brecha na lei: não era preciso se candidatar por um partido político, sendo possível disputar o pleito a partir de um movimento social ou outro tipo de agremiação.

A solução dos comunistas foi formar o Bloco Operário Camponês (BOC) para entrar na disputa. Assim, Minervino de Oliveira se tornou o primeiro candidato negro e proletário a se candidatar à Presidência da República. O Brasil teve, anteriormente, um presidente negro. Era Nilo Peçanha, que, no entanto, não pertencia e nem defendia os interesses da classe trabalhadora. Minervino teve 0,008% dos votos, em um pleito marcado por fraudes e com votos em voz alta, que deu vitória a Júlio Prestes por 59,39%. Ganhou, mas não levou: em outubro, o derrotado Getúlio Vargas liderou o golpe de Estado que o levaria a ficar 15 anos no poder.

Foi 70 anos depois, nas eleições de 1989, que o Brasil voltou a ter um candidato negro. Era José Alcides de Oliveira, conhecido como Marronzinho, do Partido Social Progressista (PSP). Marronzinho, no entanto, era um populista de direita que se destacou em 1985, ao dirigir o jornal A Voz, panfleto conservador que espalhou notícias falsas a respeito de Fernando Henrique Cardoso, então candidato de uma ampla aliança progressista a prefeito de São Paulo contra o direitista Jânio Quadros. Marronzinho chegou a desafiar FHC “pra porrada”.

Em 2022, pela primeira vez, uma chapa formada apenas por negros concorre à Presidência da República. A Unidade Popular pelo Socialismo (UP) lançou Leonardo Péricles Vieira Roque, morador de ocupação, liderança do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB – não confundir com outra sigla). Sua vice é Samara Martins, uma mulher negra. A Badaró bateu um papo com o candidato durante evento em São Cristóvão, Sergipe. Confira:

Para iniciar, gostaria que contasse sobre sua trajetória na luta política: como você chegou à UP e, agora, à candidatura a presidente da República?

Eu completei 22 anos de militância este ano, em janeiro. E ao falar um pouco da militância, quero falar um pouco da minha vida. Sou morador de periferia, a minha vida toda; sou filho da Dona Lourdes e do Seu Chico, minha mãe dona de casa, meu pai pintor de automóveis, que sempre trabalharam muito para que eu pudesse minimamente estudar. Eu fui fazer um curso, quando tinha 16 anos, no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), por indicação do meu pai, que falou assim: “você precisa fazer um curso para ter uma profissão”. Aí fui lá e consegui passar na prova. 

Fui fazer o curso de mecânica de manutenção de máquinas e perdi meu pai quando eu estava com um mês de curso no Senai – mas morreu pelo menos feliz nessa parte. Eu me formei nesse curso de um ano e meio. Comecei a trabalhar na área, trabalhei algum tempo e juntei algum dinheiro, inclusive para fazer o curso de eletrônica que eu queria. E aí, fui fazer o curso de técnico em eletrônica numa escola particular que cobra mais barato à noite, uma escola filantrópica, porque não consegui passar na escola pública. E aí, fiz esse curso e não cheguei a trabalhar na área, trabalhei também com várias outras coisas. Antes e depois. Eu conheci o movimento estudantil pelo idos de 2000, quando eu fazia esse curso técnico, ingressei no movimento estudantil secundarista onde a gente lutou, principalmente pelo meio-passe dos estudantes no transporte público lá na minha cidade, que é Belo Horizonte, Minas Gerais. 

A gente chegou a conquistar o meio-passe alguns anos depois da luta. Então foi uma luta vitoriosa, o primeiro contato que eu tive com a questão do transporte público. Entendo que era preciso estatizar, lutava naquela época pela estatização do sistema de transporte, porque o transporte é um negócio muito sério para ficar na mão do setor privado. Foi um caos agora na pandemia. Em muitas cidades, as pessoas não têm ônibus direito, não têm transporte direito. Ou seja, o direito de ir e vir de milhões de pessoas tá sendo tomado. Então, foi ali meu primeiro contato com essa questão. E fui também do movimento estudantil universitário. No secundarista, ainda fui presidente da Associação Metropolitana de Estudantes, lá da região metropolitana de BH, passei pelo movimento universitário, fui presidente do D.A. (Diretório Acadêmico) da minha escola da Biblioteconomia, curso que não cheguei a concluir. 

Nesse período também me tornei diretor de universidades públicas da UNE (União Nacional dos Estudantes); depois, pelos idos de 2010, eu iniciei minha transição, a saída do movimento estudantil, e em 2011 eu fui ajudar na rearticulação no MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) em Minas Gerais. A nossa liderança principal tinha falecido em 2009, vítima de um câncer de mama, a companheira Eliana Silva – nome da ocupação que a gente fez, que é a que eu moro até hoje. Foi feita em abril de 2012, sofreu um despejo violento, foi rearticulada três meses depois. Foi despejada em maio, três meses depois fizemos outra e lá está. Completou 10 anos agora em agosto. 

Em 2013 eu fui uma das lideranças das jornadas de junho que aconteceram no Brasil, quando vários setores populares, setores de todas as classes também tomaram as ruas e ali ficou nítido que havia uma crise de representação política, que de boa parte dos partidos que existiam até então, havia um grande esgotamento desses e era necessário criar uma alternativa. Então ali a gente criou uma decisão. A gente quem? Esses movimentos que já existiam. O MLB; a União da Juventude Rebelião, que é uma organização que atua com jovens das universidades, escolas e também periferia; o Movimento de Mulheres Olga Benário, que é um movimento de luta de mulheres contra o patriarcado e machismo; Movimento Luta de Classe, que é uma corrente sindical nacional; nós decidimos por criar a Unidade Popular, e aí, a partir de 2014 a gente começou a primeira experiência, que foi cassada. 

Depois de 116 mil assinaturas que a gente tinha coletado de apoio para criar o partido, teve uma mudança brusca na legislação, que se tornou extremamente mais antidemocrática pra criar partido no Brasil e aí fizemos mais uma vez o trabalho. E esse em especial foi de 2016 a 2018, quando a gente conseguiu ter o apoio de mais de um milhão e 200 mil pessoas, que assinaram em apoio à criação desse mais novo partido político no Brasil, a Unidade Popular pelo Socialismo. 

A UP conseguiu seu registro mais de um ano depois. Em 10 de dezembro de 2019, saiu nosso registro, nós somos o único partido que se registrou sob essa nova legislação. E por fim, sobre isso também, a gente considera que foi uma grande realização a criação da UP, porque até o Bolsonaro tentou formar um partido com o apoio, inclusive, de um monte de parlamentar, grandes empresários – e nós negamos apoio de grandes empresários – e eles deram com os burros n’água. E a gente, só com liderança popular, nenhum parlamentar no Brasil, só com trabalho de base, a gente conseguiu registrar nosso partido. Inclusive isso nos dá força para disputar a presidência da República agora. 

Uma coisa que me chamou atenção na posição na corrida presidencial é você ser uma figura que vem da periferia e até hoje mora em periferia, ainda mora em ocupação, ainda tem esse trabalho mais próximo e até a vida mais próxima da ocupação. Poderia falar um pouquinho mais sobre essa questão de ser esse candidato em meio a tantas lideranças com tanto dinheiro e apoio empresarial, recursos financeiros? Vir de baixo, ter declarado três dígitos de bens, chegando a ser até meme, como é representação de uma pessoa realmente popular nessa política que ainda hoje se faz com o empresariado?

Eu considero que é uma honra e, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade cumprir esse papel que eu to fazendo. Primeiro que não sou o primeiro na história. Vários outros e outras já cumpriram tarefas semelhantes de estar à frente de grandes processos de luta, de mudanças sociais, inclusive muito superiores ao que tô fazendo. Ainda temos que aprender e trabalhar muito para chegar no nível de Zumbi, de Dandara dos Palmares, de Carlos Marighela, de Manoel Lisboa, de Manoel Aleixo, de várias companheiras como Zeferina, como Dandara, que dedicaram suas vidas e tiveram grande papel na transformação deste país. A própria companheira Marielle, mais recente. 

Então nós temos vários desafios, agora é necessário afirmar que as lideranças populares, que o povo trabalhador, que o povo pobre deste Brasil pode e deve cumprir um papel determinante de mandar neste país. Nós estamos falando de um país muito rico, que submete seu povo à pobreza e tem uma coisa especial: nunca a classe trabalhadora mandou neste Brasil, ela nunca governou este Brasil. Mesmo nos governos mais progressistas que nós tivemos, a política econômica era dada pela burguesia, pelos muito ricos, pelos banqueiros. 

E nós entendemos, nós viemos pra isso, pra afirmar o seguinte: que o pobre ser incluído no orçamento é muito pouco, nós precisamos criar as condições para a classe trabalhadora mandar no orçamento e não ser incluída. Quem constrói a riqueza são os trabalhadores, a classe trabalhadora, o povo pobre deste país. Então ela precisa mandar na riqueza, nossa candidatura é um esforço de conectar quem produz a riqueza com a riqueza, e pra quê a gente quer essa riqueza, para enriquecer, para meia dúzia se locupletar, se dar bem? Não. Nós queremos essa riqueza para que ela seja distribuída com o povo. Nós somos uma candidatura socialista, de base socialista, pois o socialismo é esse encontro da riqueza servir ao povo. 

E todos os meios que servem para reproduzir essa riqueza e os bens que vão fazer a sociedade ser atendida precisam estar na mão da classe que produz, ou das classes que produzem, então nós entendemos que é necessário esse caminho, esse passo. Que a classe trabalhadora precisa dar esse passo. E começa com o processo eleitoral. A gente não vai implantar o socialismo com as eleições, mas as eleições ajudam para um processo de acúmulo de forças e para que a gente considere também o desgaste do sistema capitalista atual, para que a gente consiga forjar medidas que possam garantir as condições de a gente caminhar no objetivo do socialismo.

Ilustração representando Leonardo Péricles. Balão de fala: Na nossa opinião, temos que ocupar as ruas aos milhões, porque esse é o caminho para derrotar o fascismo. Até porque mesmo com as eleições acontecendo sem interrupção, nós não temos ilusão nenhuma de que o fascismo vai ser derrotado só com a eleição. Eles vão continuar sabotando, derrotados eleitoralmente, vão continuar agindo. O que pode detê-los centralmente é um movimento popular extremamente organizado e com capacidade de levar milhões de pessoas para as ruas.

Você trouxe a importância da disputa eleitoral, como também traz o socialismo à tona, até a propaganda socialista, mas o que estamos vendo atualmente, principalmente na campanha para presidente, é o boicote das candidaturas de esquerda radical. Nisso, também se está boicotando os únicos candidatos negros da disputa presidencial. Gostaria que falasse da importância de ter candidatura, ao mesmo tempo sofrendo boicotes, principalmente, midiáticos pelo caráter radical.

Como eu disse, em 2015 foi aprovada uma legislação extremamente restritiva e antidemocrática, que contraria inclusive a Constituição, a qual prevê a possibilidade de organização partidária. Inclusive foi um erro até de organizações que se dizem do campo de esquerda, que acabaram concordando com isso. E o nome dessa legislação é “cláusula de barreira”. Ela impôs que os partidos tenham número xis de deputados no Congresso Nacional para poder ter acesso a tempo de TV e rádio, isso é um dos maiores absurdos, que acaba afetando, principalmente, as organizações de esquerda. 

O discurso era para reduzir o número de partidos no Brasil, que isso ajudaria a democracia. Na prática, essa lei, o que ela tá fazendo? Ela tá fortalecendo o chamado “centrão”, então ela tá fortalecendo aquilo que ela disse que iria combater. Hoje, para o partido conseguir a representação que a legislação exige, eles vão se fundir em federações, que foi outra coisa da minirreforma eleitoral de 2019, ou seja, o partido maior acaba mandando nos demais, o partido menor perde sua autonomia. Isso é o que acontece na prática com a federação. Segundo, é necessário muito dinheiro para poder eleger esse número de parlamentares, como está montado o sistema atual. 

E isso tá fortalecendo os grandes empresários, os partidos que sempre governam contra o povo, ou seja, esse centrão. Então, nós entendemos que é necessário fazer uma mudança profunda nessa legislação, que garanta que partidos populares possam se apresentar no processo eleitoral. O que a gente está cobrando no momento atual, que pode ser feito, é que as grandes redes de TV e rádio podem nos convidar para os debates. Não são proibidos, a legislação não proíbe nos convidar. Ela obriga a convidar quem tem representação no Congresso, mas não proíbe que os demais sejam convidados. Isso fica a critério da emissora. E a gente acha que é um absurdo isso, porque as emissoras são concessões públicas, então mesmo sendo empresas que estão lá administrando essa concessão, inclusive empresas que têm donos bilionários, eles não podem fazer o que querem e infelizmente fazem, pois há uma conivência muito grande de governos e tal. Não é à toa que uma das coisas que está prevista no nosso programa é a democratização dos meios de comunicação. 

Porque é um absurdo esses meios de comunicação que são obrigados a ter uma responsabilidade social – e uma das formas de ter essa responsabilidade é garantir que o povo possa saber quem são os candidatos à presidência da República – só estejam dando espaço para quatro ou cinco, mas tem 12 candidatos, então nós continuamos a batalha, a pressão popular, as panfletagens, as denúncias que estamos fazendo, os vídeos, a denúncia também na internet. Nós estamos mobilizando a sociedade e estamos tendo apoio de muita gente. Na abertura do Rock in Rio, por exemplo, o grupo Black Pantera se colocou, fizeram uma declaração bastante contundente defendendo os candidatos negros nos debates. Saudamos, queria mandar um abraço para eles. Várias personalidades estão se colocando, então estamos trabalhando para que a gente tenha espaço para participar dos debates, inclusive trazendo essa temática negra. 

Tem 92 anos que tivemos o último homem negro, trabalhador, de periferia e de esquerda candidato à presidência, que foi o Minervino Oliveira, pelo Bloco Operário Camponês em 1930. Aí se vê o que é o racismo no Brasil. Outra questão: nós somos a única chapa 100% negra, da história do Brasil, que disputa a presidência da República. A única na história. Então isso é outra marca do racismo, que reserva ao povo negro ser o que mais morre vítima de violência, em especial da polícia; os que estão nos presídios; a maior parte dos desempregados e que não tem moradia digna nesse Brasil. Nós estamos aqui para mostrar que nosso povo negro, além de muito inteligente, capaz, ele pode ocupar todos os espaços, inclusive a disputa do principal cargo, que é a presidência da República. Enquanto caminhamos pelo Brasil, estamos tendo um retorno muito positivo de se sentirem representadas. De ver seu pai, sua mãe, sua irmã, sua tia, elas mesmas, representadas em Samara e em mim. Isso fortalece aquela responsabilidade, aquele sentimento de que falei no início, de ser a representação do nosso povo no processo eleitoral.

De tudo o que você falou sobre mídia, o ponto que me chamou a atenção é o uso das redes sociais. Como está sendo isso durante a campanha, já que é um espaço onde não há essa mediação tão direta, como é o caso dos conglomerados midiáticos, dos jornais e redes de TV?

Olha, a gente utiliza as mídias e redes sociais, mas sem ter ilusão. Porque elas estão na mão de grandes monopólios internacionais, como o Instagram, o Twitter e o Facebook. Então utilizamos, mas para reproduzir o principal trabalho que fazemos: ir pra rua. O nosso principal trabalho de base é pisar no barro, ir às ruas, visitar as periferias. É estar na vila, na favela, nos bairros pobres, na porta das empresas, das fábricas, das escolas e universidades. 

Assim como as cidades, é visitar os quilombos, as aldeias. Então é isso, é estar onde o povo vive e onde reproduz suas vidas. É estar onde o povo está. A gente acha esse tipo de trabalho fundamental. Então o que sai nas redes sociais é a repercussão desse trabalho real. 

Ao falar de racismo você citou, obviamente, a violência policial. Aqui em Sergipe, o MLB passou por um episódio muito doloroso. Existem provas em vídeos, de violência até contra crianças durante essa desocupação. Fale um pouco das propostas da UP quanto à modificação dessa polícia, que é violenta e reforça diariamente o racismo no Brasil. 

Nós defendemos a desmilitarização das polícias e a punição dos torturadores e assassinos, desde os tempos da escravidão até os dias atuais. É uma política de direito à memória, verdade e justiça. A primeira medida é a desmilitarização, porque não é preciso que haja uma polícia que segue o preceito militar de que existe um inimigo e esse inimigo precisa ser combatido, derrotado. E quem é o inimigo da Polícia Militar? É o jovem, negro, trabalhador, filho de trabalhadores e que mora em periferia, no Brasil. Então são cidadãos deste país, que estão sendo tratados com extrema violência – mortos, inclusive. 

A ONU, em 2014, recomendou ao governo brasileiro, que extinguisse suas polícias militares, porque elas se assemelhavam mais a grupos de extermínio do que segurança pública. E nós defendemos que esse modelo também cega os próprios policiais militares, porque eles não podem avaliar as situações que são desastrosas. Então ocorre uma operação que dá errado na favela, que acaba matando gente, e eles não podem ir lá e fazer a avaliação e dizer que foi errado. 

A gente propõe fazer outra coisa, que é mudar a forma de operar. É uma ótica que, inclusive, nas poucas pesquisas que foram feitas dentro do contexto dos próprios policiais, mostram que eles apoiam a desmilitarização. Porque é a polícia que mais mata e a que mais morre, no Brasil. Normalmente, esse policial que morre é da camada popular. Ele é o soldado, é o sargento, é o cabo. São os que fazem as rondas e ficam submetidos à resposta violenta que vem da violência que eles mesmos impõem. Tem até uma frase muito interessante do Malcom X, que diz para não confundir a reação do oprimido com a violência do opressor. Então eles acabam sofrendo uma reação muito grande, que leva a morrer no processo. 

Então assim, é mentira que a esquerda não tem proposta política para segurança pública. Qual é a saída para a segurança pública? É você criar uma polícia comunitária primeiro. É ter grandes investimentos em saúde, educação, esporte, moradia e emprego no Brasil. É isso que precisa ser feito. A escola precisa ser maravilhosa e atrair a nossa juventude, mais do que o mercado paralelo. A nossa juventude tem que ter direito a estudar, praticar esporte, se alimentar bem, viver a vida. 

E a questão dos torturadores é a seguinte: nosso país foi o único na América Latina que teve ditadura e não puniu nem um torturador e assassino. Ou seja, todos os generais e agentes que fizeram isso em nome do Estado. O resultado disso é que, não tendo essa punição, a impunidade do passado leva à impunidade no presente. E hoje quem morre é a nossa juventude negra. Porque se esses agentes militares fizeram o que fizeram – ou seja, estupraram, assassinaram, torturam muitas pessoas, inclusive crianças; também praticaram imensa violência contra os povos indígenas, os camponeses e as periferias, com os seus grupos de extermínio; e não aconteceu nada com eles, porque vai acontecer com policial que mata um trabalhador, dentro de uma câmara de gás, como foi feito aqui em Sergipe com o Genivaldo? E olha que nem foi a Polícia Militar, no caso foi a Polícia Rodoviária, mas o modo de operar é militar também. Nesse caso, todas as polícias seguem esse modo de operar militar. Então é preciso mudar toda essa ótica.

Então nossa proposta é uma polícia comunitária, que estará conectada e não precisa estar armada. Ela precisa estar em condições de resolver problemas sociais; e boa parte desses conflitos é de origem social, que são reflexo da miséria, da fome, do desemprego, da falta de condições mínimas que o Estado faz. Porque a não-presença dele é articulada, para que o embrutecimento das pessoas aconteça e a violência prevaleça. Então a violência se dá pelo Estado e pela ausência organizada dele.

Quais estratégias vocês avaliam como necessárias para a luta contra o crescimento do fascismo no Brasil e de que forma as eleições se inserem neste contexto?

O alto comando das Forças Armadas, com esse Centrão, que de centro não tem nada, está tentando dar um golpe no Brasil, atentando contra nossa já frágil democracia, para impor uma ditadura militar. Nós estamos vendo setores jogarem todas as fichas no processo eleitoral e a gente acha isso um erro histórico, inclusive uma tragédia que está se repetindo. Porque na década de 1960 setores da esquerda e de centro diziam que não tinha chance nenhuma de haver um golpe. Inclusive isso no âmbito do golpe, em 1964, e vivemos 21 anos de trevas no Brasil. 

Então a história nos mostra que as urnas e as eleições, é óbvio, são muito importantes, mas não são insuficientes para derrotar o fascismo. Então o que nós vamos fazer? Ocupar a rua. Qual é um exemplo maravilhoso? O povo da Argentina. A vice-presidente Cristina Kirchner sofreu um atentado, poderia inclusive ter morrido, ainda bem que a bala falhou. E foi um nazifascista quem fez isso, possivelmente inspirado pelo nazifascismo brasileiro comandado pelo Jair Bolsonaro. E qual foi a resposta do povo argentino? Ocupar as ruas aos milhões. Para dizer que seu país não vai ser escravo de ninguém, que eles não vão aceitar um retrocesso fascista. Estão cumprindo um papel correto. E estão dando um grande exemplo ao povo brasileiro do que fazer, então nossa proposta é ocupar as ruas. Tem setores defendendo que não tem que ir e isso é um erro histórico. 

Na nossa opinião, temos que ocupar as ruas aos milhões, porque esse é o caminho para derrotar o fascismo. Até porque mesmo com as eleições acontecendo sem interrupção, nós não temos ilusão nenhuma de que o fascismo vai ser derrotado só com a eleição. Eles vão continuar sabotando, derrotados eleitoralmente, vão continuar agindo. O que pode detê-los centralmente é um movimento popular extremamente organizado e com capacidade de levar milhões de pessoas para as ruas. 

Então o foco central da nossa avaliação, e da unidade das esquerdas, não é ganhar eleição. Essa não é o principal. Nas eleições é normal sair separado para apresentar seus programas, seus pontos de vista. Agora o que é central são as ruas, esse lugar não tem espaço nem pra Moro, nem Alckmin, nem Temer, é um espaço de excelência da classe trabalhadora e do povo e é nesse lugar que a esquerda tem que estar unida, articulada e organizada para derrotar o fascismo no Brasil.

Carolina de Mendonça

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Estudante de psicologia, amante de utopias e com grandes flertes com o cinema.

Guilherme Correia

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Jornalista. Entusiasta de muitas coisas, do futebol ao audiovisual. Interessado em educação, cultura e pautas sociais.

MARINA DUARTE

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Ilustradora e quadrinista pantaneira. Feminista antiproibicionista interessada pela profunda mudança social.

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Jornalista e pesquisadora em Comunicação. Possui interesse nas áreas de meio ambiente, política e direitos humanos, além de produções audiovisuais.

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