Libertadores será disputada, pelo 3º ano consecutivo, no formato de final única – Imagem: Guilherme Correia

A excludente final única

O apito inicial para Palmeiras e Flamengo em Montevidéu será no final de novembro, mas já temos dois derrotados, o futebol e o torcedor
Por Gabriel Neri e Mateus Moreira
Arte por Guilherme Correia

A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) divulgou as informações de preços e setores dos ingressos para a final única da Copa Libertadores de 2021 a ser jogada no Estádio Centenário, em Montevidéu, no Uruguai, em 27 de novembro entre Palmeiras e Flamengo. Esta é a terceira final única da principal competição de clubes de futebol da América do Sul e a cada ano, o acesso ao estádio fica mais excludente.

A história das finais em jogo único começa em 2018, quando a Conmebol definiu que a partir de 2019, a definição seria em campo neutro definido com antecedência. A última em ida e volta foi o superclássico argentino entre Boca Juniors e River Plate que terminou no Santiago Bernabéu, em Madrid, por incidentes com o ônibus do Boca após ataques da torcida do River. 

Em 2019, a final estava marcada para o Estádio Nacional do Chile, em Santiago. No entanto, protestos no país andino paralisaram o futebol e o jogo foi transferido para o Monumental de Lima, no Peru. O Flamengo saiu campeão depois de vencer o River. A edição de 2020 da Copa se estendeu por conta da pandemia de coronavírus e terminou somente neste ano. Com público reduzido no Maracanã, o Palmeiras se sagrou bicampeão sobre o Santos. 

A ‘europalização’ da Libertadores

A UEFA Champions League é a competição de clubes da Europa e claramente é usada como referência para a administração de Alejandro Domínguez na Conmebol. Desde 2016, quando o ex-presidente da Associação Paraguaia de Futebol lidera a Confederação Sul-Americana, a Liberta passou por algumas mudanças no formato de competição e no regulamento.

A primeira mudança foi a implementação do sorteio para a fase final a partir de 2017. Vale ressaltar que a competição é dividida em três fases – prévias, grupos e final. Antes, os 16 classificados às oitavas de final nos grupos tinham o chaveamento definido pela classificação. O sistema era o 1º geral enfrentava o 16º, o 2º com o 15º e assim por diante. Além disso, a organização impediu os clubes de fazerem as tradicionais ‘ruas de fogo’ próximo dos estádios e bandeiras de torcida na arquibancada.

Novamente em relação a final, à época da mudança, Domínguez deu a seguinte declaração no site oficial da Conmebol: “Mais que uma partida, este será um grande evento esportivo, cultural e turístico que trará grandes benefícios para o futebol sul-americano, seus clubes e seus torcedores. Esta emocionante alteração oferecerá um espetáculo desportivo de classe mundial e uma melhor experiência em casa e no estádio. Em termos de desenvolvimento, projetamos maiores receitas para o torneio e para os clubes finalistas, assim como uma maior projeção do futebol sul-americano e da Conmebol a nível global”.

A ideia principal ressalta é o aumento das receitas para as instituições envolvidas. No entanto, o custo disso para o torcedor é alto. Com o jogo único, as finais passaram a ser disputadas de dia e nos sábados. Neste ano, a partida será às 17 horas de Brasília. Um dos objetivos é globalizar a competição e para os europeus do oeste, o horário é o tido como ‘nobre’. Portanto, a “emocionante alteração” ajuda mais quem está longe do que o torcedor da cidade.

Disparidade

Mensuramos o custo de um flamenguista que sai do Rio de Janeiro e um palmeirense que sai de São Paulo e deseja ver a final em Montevidéu. Começando pelo ingresso, temos que comparar com a final única em Lima de 2019 em que o setor para os clubes foi de 80 dólares – cerca de R$ 340 quando a moeda estadunidense estava em R$ 4,20. Neste ano, o mesmo setor em Montevidéu será de 200 dólares – R$ 1.160 em valores atuais

A menos de um mês para o jogo, encontrar hospedagem e passagem de avião para a capital uruguaia é praticamente impossível. O Flamengo por meio de sua agência de turismo criou o pacote Montevidéu. Para efeitos de comparação, usaremos os valores deste pacote para flamenguistas e palmeirenses. O pacote inclui a ida de avião para a capital uruguaia, dois dias de hospedagem e translado para o Estádio Centenário pelo valor de R$ 9.490,50 por pessoa. No entanto, o ingresso é por conta do torcedor. 

Assim, com os R$ 1160 do ingresso e o pacote com transporte e hospedagem custeados, o total é de R$ 10.610. Considerando o salário mínimo no Brasil que é de R$ 1100, um trabalhador precisaria de 11 meses para ver seu clube disputar a final continental. Ou seja, a Libertadores não é para o proletariado.

Também fizemos a conta se o jogo fosse em São Paulo para os palmeirenses e no Rio para os flamenguistas. No primeiro caso, os custos do torcedor seriam o ingresso, o transporte até o estádio, bebida e comida. O valor base do bilhete foi o da semifinal da Copa do Brasil de 2018, que o setor mais caro estava R$ 400 mais R$ 100 por ser uma final de Libertadores. Além disso, R$ 50 para os outros itens. Assim, no melhor setor de arquibancada, o torcedor pagaria R$ 550 por tudo.

No caso do Flamengo, o cálculo foi o mesmo com base no ingresso da semifinal da Libertadores de 2019 contra o Grêmio mais o acréscimo de R$ 100. Também no melhor setor e com o transporte, seria de R$ 550 a R$ 600. 

A ausência dos protagonistas

O futebol foi feito do povo, para o povo. Mas a Copa Libertadores está cada vez mais distante deste ideal. O modelo adotado para a grande decisão da competição, exclui cada vez mais aqueles que, por anos, fizeram a América Latina pulsar em históricas edições, aumentando os custos e afastando dos grandes palcos a essência que nos fez mundialmente conhecidos. 

Por maior que seja o fanatismo e por melhores que sejam as condições, a grande maioria dos torcedores são excluídos do espetáculo que, ironicamente, ajudaram a construir. Uma disputa única, longe das raízes do clube do coração e há um mar de distância das condições financeiras de um torcedor latino americano. Na melhor das hipóteses, há alguma possibilidade de fazer parte desta decisão? A jornalista e palmeirense Giulia Vanni falou sobre sua perspectiva sobre a final da Libertadores. 

”Eu já esperava que o ingresso fosse ser caro, por ser uma final de Libertadores, mas a passagem de ida e volta para o Uruguai, para uma pessoa, está nove mil reais, o que é completamente inacessível, ainda mais para duas pessoas porque quem me fez palmeirense foi o meu pai e eu não iria sozinha. Fica quase vinte mil reais só de passagem, sem os ingressos, tendo ainda estadia, então é muito complicado”, explica Giulia.

“Se acontecesse no Allianz Parque [Estádio do Palmeiras] em São Paulo, que é onde moro, eu provavelmente iria apesar dos preços, porque tira o fardo da passagem. Parece ser mais barato tirar o preço da passagem, mas ainda são mil reais em ingresso, é completamente inacessível. Eu, felizmente, teria essa oportunidade, se fossem só os mil reais. Mas muita gente que é palmeirense infelizmente não teriam chance de assistir ao jogo. Não deveria ser assim”, conclui a jornalista.

O empresário e flamenguista Marco Sousa é favorável ao atual formato da final, mas ressalta que a Conmebol não pensou em toda a competição. “Eu acho que a mudança da final da Libertadores para jogo único é uma mudança bem idealizada, mas mal executada”. O flamenguista entende que a ideia da Conmebol é boa ao “tornar o produto mundial”. 

No entanto, mesmo concordando com a final única, ele analisa que é necessário alterações na estrutura da Libertadores como mudanças das datas para os finais de semana e em um nível maior, se unir a Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf) e criar uma ‘super’ Libertadores. Além dos preços das entradas que são em valores inacessíveis.

Há ainda outro ponto a ser ressaltado. Na Europa, quando ocorre a final única da UEFA Champions League, além da enorme diferença do poder de aquisição, há também outra vantagem em relação à América do Sul: as opções de transporte para os torcedores. Em inúmeras situações, é possível se locomover de forma segura, de um país ao outro, utilizando trens, por exemplo, sendo um transporte alternativo para aqueles que não podem arcar com custos de passagens aéreas. 

Entretanto, no território latino, não há uma opção alternativa de mesmo nível para os torcedores. A principal forma de locomoção, nestes casos, é aderindo a pacotes aéreos, que muitas vezes são financeiramente inacessíveis. Uma possível alternativa, seriam as longas caravanas de ônibus, o que está longe de ser uma opção segura para muitos torcedores.

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