A Seleção norte-coreana que surpreendeu o mundo

Contra todos os prognósticos, equipe da Coreia do Norte despachou a poderosa Itália e fez bonito na Copa do Mundo há 55 anos

Crônica por Gabriel Neri
Edição por Adrian Albuquerque
Narração por Jean Celso
Revisão e direção artística por Norberto Liberator

A Copa do Mundo é uma competição que dura muito mais que o um mês destinado exclusivamente a ela. São quatro anos de preparação, eliminatórias, construções, disputas esportivas e, óbvio, políticas. Há 55 anos, no Mundial de 1966 na Inglaterra, a Coreia do Norte fez o inesperado e chocou tanto o público quanto a imprensa especializada.

Ao longo de seus mais de 90 anos e 21 edições, as Copas renderam algumas impensadas campanhas. A Costa Rica em 2014 chegou às quartas de final e caiu invicta, nos pênaltis, diante da Holanda. Em 2010, Gana caiu também nas quartas para o Uruguai. Em 1990, Camarões venceu as favoritas Argentina e Colômbia, e quase eliminou a Inglaterra. A seleção que chegou mais longe dentre as chamadas “surpresas” foi a Turquia, terceiro lugar em 2002 com um time que contava com a icônica dupla de ataque Hakan Sukur e Hasan Sas. Curiosamente, o quarto lugar naquele ano foi outra zebra, a anfitriã Coreia do Sul… mas essa contou com alguns dos apitos amigos mais escandalosos da história, nas partidas contra a Itália e a Espanha. Os protagonistas de hoje estão do outro lado da península coreana. Apelidada com o nome de um cavalo alado presente nas lendas da região, a seleção Chollima foi longe na sua primeira participação em uma Copa. Também despachou a Itália – mas sem ajuda da arbitragem – e por um detalhe não caminhou mais. 

A história do futebol na Coreia do Norte começa na antiguidade. Há relatos de que na antiga Coreia havia um esporte muito parecido com futebol chamado chuk-gu. Sem muita tradição, mas com situações que se tornaram favoráveis, a Coreia do Norte começava a campanha para a Copa de 66 em novembro do ano anterior. 

Eram 16 vagas para a competição: oito para a Europa, quatro para a América do Sul e quatro para outros continentes. As seleções da África não concordaram com a decisão da FIFA, que decidiu por unir asiáticos e africanos para disputar uma única vaga, e boicotaram o Mundial. 

Dois jogos no Camboja decidiram a vaga. O placar agregado das duas partidas ficou 9 a 2 para a Coreia do Norte sobre a Austrália. O primeiro foi 6 a 1, e o segundo terminou 3 a 1. Mesmo que fosse um time inferior, os norte-coreanos já davam sinais de que eram organizados e não tinham medo. A participação na Copa já era uma vitória pela situação vivida no país.

Aquele time comandado por Myung Rye-Hyun, de apenas 40 anos, era formado só por jogadores locais com média de idade em 22 anos. Os Chollimos caíram no grupo 4 com a aliada União Soviética, Chile e Itália. O primeiro jogo foi uma derrota em 3 a 0 para os soviéticos. O segundo embate foi diante dos chilenos. O resultado foi 1 a 1 e rendeu o primeiro gol asiático em Copa do Mundo, feito por Pak Seung-zin já no apagar das luzes. 

O chaveamento dava a oportunidade de os coreanos avançarem, desde que atingissem a façanha inimaginável de vencer a Itália. Para os italianos, era só um jogo ‘protocolar’. A vitória da seleção então bicampeã mundial era mais do que certa. Mas o futebol se joga dentro de campo. Desconhecidos, subestimados e corajosos, a incógnita norte-coreana fez o único gol num tiro cruzado de Pak Doo-ik no fim do primeiro tempo. Raça não faltou para confirmar o único triunfo norte-coreano em Copas. Coreia do Norte 1, Itália 0. Em Middlesbrough, no dia 19 de julho de 1966, a Seleção Chollima eliminava a poderosa Squadra Azzurra. Assim, a vaga nas quartas estava garantida. Para os italianos, protestos da torcida na volta ao país pelo vexame. 

O próximo rival era Portugal de Eusébio no Goodison Park, em Liverpool, para 40 mil torcedores. O desafio novamente era grande, já que na primeira fase, a seleção vermelha e verde tinha deixado ninguém menos do que o Brasil de Pelé e Garrincha para trás. Era uma jornada épica, um sonho que começou com gol no primeiro minuto. Pak acertou um chutaço da entrada da grande área. Li Dong-woon fez o 2 a 0 aos 20 e com os portugueses ainda perdidos, Yang Seung-kook guardou o 3 a 0. Inacreditável. 

Quando se está próximo ao topo, a queda é maior. Os norte-coreanos não contavam com uma das maiores apresentações individuais na história do futebol. O moçambicano Eusébio, craque do Benfica e uma das maiores sensações do esporte na época, fez dois gols no primeiro tempo. O jogo foi ao intervalo em 3 a 2. A tarefa era a mesma do embate contra a Itália: segurar a vantagem mínima e sair classificado. A tranquilidade, a confiança e a sorte não foram as mesmas de quatro dias antes. Eusébio fez mais dois tentos em quatro minutos. A virada aconteceu. Já diante de coreanos sem forças e jogando no tudo ou nada, José Augusto marcou o quinto. Portugal 5, Coreia do Norte 3.

Depois daquele Mundial, a Seleção Chollima nunca mais foi a mesma. A equipe só foi disputar uma partida de Copa em 2010, na África do Sul, e teve a pior campanha entre as 32 classificadas. Caiu zerada com 12 gols sofridos e um tento marcado, curiosamente contra o Brasil na derrota por 2 a 1, em um grupo que contava ainda com Portugal e Costa do Marfim. A despedida foi com o sonoro 7 a 0 para os algozes de 1966. 

Mas as glórias conquistadas são eternas. Há 55 anos, o feito da equipe Chollima é lembrado como um grande ato heróico em seu país.

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