Eurocopa 2004: a grande epopeia grega
- 11 de junho de 2021
Seleção helênica não precisava de técnica vistosa ou físico invejável, mas tinha inteligência e se armava bem na defesa e no ataque
Por Álvaro Ramírez (para a Kodro Magazine)
Tradução por Gabriel Neri
A seleção grega era uma das equipes mais discretas e fracas da história das Eurocopas. O futebol moderno não contou com mais um campeonato tão estranho e ímpar como aquela Euro de 2004. Depois de se classificar como um dos times menos cotados ao título, a equipe helênica chegava a Portugal sem uma estrela ou um treinador reconhecido. Mas os gregos foram capazes de chegar a sua segunda participação europeia e sair campeões. Se analisarmos cada um daqueles confronto eliminatórios, veremos alguns absurdos, uma lista de acontecimentos improváveis, oportunismo e sorte dos Helenos (como a seleção grega é conhecida).
A imprensa na época contou o título grego da Eurocopa de 2004 como “milagre” e “épico”. Os heróis do país banhado pelo Mar Mediterrâneo fizeram a final contra a Seleção Portuguesa que contava com Deco, Figo e Cristiano Ronaldo, que eram comandados por Luiz Felipe Scolari, o Felipão, e venceram pelo placar mínimo.O treinador da Grécia, Otto Rehhagel, chegou à Seleção três anos antes, quando a Grécia disputou as Eliminatórias para Copa do Mundo de 2002 na Coreia do Sul e no Japão (Mundial do pentacampeonato brasileiro). O time fez somente sete pontos em oito jogos, tomando 17 gols e ficando em penúltimo do grupo 9, que tinha Inglaterra, Alemanha, Finlândia e Albânia.
Diante do desastre, o treinador teve que mudar a forma de jogar da equipe para que pudesse competir. O primeiro passo foi blindar a defesa. O alemão Rehhagel havia treinado equipes como Bayern de Munique e Borussia Dortmund, ambos de seu país, e tinha a fama de ser da ‘velha escola’ com um sistema tático conservador.
O treinador transformou a Grécia em um time duro e disciplinado. Mesmo sendo um time limitado pela falta de nível dos jogadores, a seleção azul e branca conseguiu se classificar para a Eurocopa de 2004. O time foi o primeiro do grupo 6, que tinha Espanha, Ucrânia, Armênia e Irlanda do Norte, com 18 pontos em oito jogos e fazendo apenas oito gols. Foram seis vitórias e duas derrotas.
O time sabia sua forma de jogar e suas limitações. Assim, a união foi a força deste grupo sem nenhuma estrela. Não precisavam de uma técnica vistosa ou um físico invejável, mas tinham inteligência no posicionamento e se armavam bem na defesa e no ataque.
Era um time que defendia em seu próprio campo, deixando o rival trabalhar a posse de bola e saindo rapidamente em contra-ataque, marcando as poucas chances que tinham de balançar as redes. A formação concentrava muita gente no meio-campo e na defesa para sair em bloco com as linhas juntas. O atacante titular, Charisteas, tinha que brigar com os zagueiros rivais para ficar com a bola. Em cada partido que jogavam, não sofrer gols era a máxima premissa. Às vezes jogavam com uma linha de quatro ou cinco atrás, dependendo da partida, e tinham vários ‘jogadores-chaves’ como o lateral-direito Giourkas Seitaridis, o lateral-esquerdo Takis Fyssas e o zagueiro Traianos Dellas.
Outros jogadores importantes daquela geração eram o capitão Theodoros Zagorakis e Angelos Basinas. A dupla de volantes fazia a sustentação do meio-campo da equipe. Basinas era mais defensivo, tratando da saída de bola no meio dos zagueiros. Zagorakis trabalhava mais à frente, distribuindo o jogo e puxando a equipe para o ataque como uma meia de ligação. Completando o meio-campo, tinham Kostas Katsouranis, Stelios Giannakopoulos e o camisa 10 Giorgos Karagounis. Ele que jogava mais pelos lados de campo e tinha um toque mais refinado que os companheiros
Campanha na Euro
A Grécia chegou como cabeça de chave do seu grupo na Eurocopa de 2004 depois de sua surpreendente classificação nas eliminatórias. Os outros plantéis do grupo A eram o anfitrião Portugal, a Espanha e a Rússia. A estreia foi diante de Portugal e o time saiu vencedor por 2 a 1, com gols de e Karagounis e Basinas. O tento português foi feito pelo jovem Cristiano Ronaldo.
Os jogos seguintes foram de sofrimento por conta dos tropeços na fase de grupos. Eles empataram por 1 a 1 contra Espanha e perderam para Rússia. Assim, foram quatro pontos e a segunda posição garantida para as quartas de final. A próxima seleção rival era a França, que estava em processo de reformulação depois da conquista de Copa de 1998, mas tinha Thierry Henry, Zinedine Zidane e Claude Makélélé.
Aquele embate no José de Alvalade em Lisboa foi um dos mais previsíveis pelo contexto. A Grécia soube aproveitar suas oportunidades e concretizou sua superioridade. Jacques Santini, treinador francês, mesmo com seu time ganhando na posse de bola, não foi capaz de furar o ferrolho rival. Nikopolidis, goleiro grego, fez um jogo impecável e sereno. O castigo para os franceses veio na segunda etapa, aos 25 minutos. Charisteas após cruzamento de Zagorakis fuzilou de cabeça para as redes. Esse gol desanimou a Seleção Francesa e os afundou. Contra todo o prognóstico, Grécia era semifinalista. Além disso, foi a primeira vez que uma mesma equipe derrotou o anfitrião e o ganhador da edição anterior da Euro no mesmo torneio.
Nas semifinais, o adversário era a República Tcheca no Estádio do Dragão em Porto, uma das melhores seleções do torneio e que tinha bons jogadores como Pavel Nedvěd, Tomáš Rosický e Milan Baroš, artilheiro da Euro com cinco gols. A equipe tcheca chegou invicta para o jogo com quatro vitórias. Mas assim como a França, a Seleção Tcheca sofreu para furar a defesa grega. Com o time de Otto cômodo com o empate, o jogo se estendeu à prorrogação. No final do primeiro tempo, Dellas foi o herói para levar a Grécia a sua primeira final continental.
O rival seria novamente Portugal na finalíssima. A Grécia era o azarão diante do favoritismo português por ser um time em peças melhor e jogar em casa. O país lusitano estava quase em êxtase com sua Seleção que poderia erguer a primeira conquista da história. O palco foi o Estádio da Luz em Lisboa. De um lado, os comandados de Felipão e do outro, os de Rehhagel. O time português tinha craques como Deco, Ricardo Carvalho e Luis Figo para o jogo. E a Grécia tinha a suspensão de seu camisa 10, Karagounis, por cartões amarelos.
Assim, o treinador do plantel grego teve de mudar o sistema, escalando Vrykas no lugar do 10. A proposta dos dois treinadores era clara, ir pela vitória, aguentar lá atrás e sair no contra-ataque. Para sorte grega, as ameaças do ataque de Portugal, Pauleta e Nuno Gomes não eram muito afinadas. As principais ameaças vinham dos pés de Figo, imparável durante o torneio, mas pouco entrosado com a equipe. Maniche era outro que tentava arremates de longe, porém sem muito perigo ao arco heleno.
A Grécia sabia o que se jogava, fez essa estratégia durante todo o campeonato e o resultado foi a vitória mais uma vez. Esperam seu momento, sua ocasião, sua sorte e as oportunidades vieram. Outra vez no segundo tempo com um cruzamento de Basinas, Charisteas arrematou os portugueses de cabeça. Foi o único gol da partida, o do título.
Aquele partido seria lembrado como um conto histórico. As lágrimas de Cristiano Ronaldo e de todo Portugal. Foi a tarde que um grupo de jogadores que ninguém apostava um real souberam jogar e venceram a final. Não basta somente ter qualidade, o trabalho é essencial em cada momento da competição e assim a Grécia soube vencer graças ao comando de Rehhagel
Pós-conquista
A ressaca daquela Eurocopa teve a recompensa para aquele grupo de jogadores. Dellas foi para Itália jogar no Perugia e depois Roma. Zagorakis, depois de ser considerado o jogador do torneio, foi para o Bologna. Charisteas também mudou de ares, saindo do Werder Bremen, da Alemanha, para o Ajax. Apesar disso, nenhum deles conseguiu ter um grande sucesso depois, mas aquela Copa foi o auge para todos. Katsourantis e Karagounis tiveram mais sorte. O primeiro foi para o gigante Panathinaikos, da Grécia, e o segundo para gigantes europeus como Inter de Milão e Benfica.
O goleiro Nikopolidis defendeu a meta do Olympiacos, da Grécia, por mais sete temporadas, se consolidando como um herói e um dos mais importantes jogadores de sua seleção. Já Otto Rehhagel, o comandante do plantel, seguiu seu curso na Seleção até a saída em 2011.
Desde aquele triunfo em solo português, a Grécia conseguiu voltar às Eurocopas seguintes e também pode competir a saudosa Copa das Confederações de 2005 na Alemanha. Na Eurocopa de 2008, caiu na fase de grupos após três derrotas. Em 2010, foram jogar a sua primeira Copa do Mundo na África do Sul, mas novamente não passaram dos grupos. Na Euro de 2012, caíram nas quartas de final para a Alemanha. Na Copa do Mundo em 2014, caíram para a Costa Rica nas oitavas de final.
Esse título foi o momento áureo de toda a história da seleção grega em competições internacionais. Mas nunca mais conseguiram outro triunfo daquele porte. Foi algo único, inexplicável, um daqueles casos em que não esperamos nada do time e ele acaba por surpreender o torcedor de uma forma inesquecível.