40 anos de revolução no time do povo

Formação da Democracia Corinthiana completa 40 anos em 2021; mobilização de atletas do Corinthians impulsionou movimentos pelo fim da ditadura empresarial-militar no Brasil

Crônica por Norberto Liberator
Narração por Felipe Mafra
Edição de vídeo por Adrian Albuquerque

Radicalizar a democracia não é fácil. Por terras brasileiras, nunca conseguimos. Muito menos se poderia conseguir quando vivíamos sob uma ditadura comandada por generais. Era preciso estar muito fora de órbita para querer uma gestão democrática direta, com o próprio povo no comando de cada decisão política. Só podia ser coisa de corintiano. O time do povo desafia a lógica.

Naquele ano de 1981, quando o Brasil ainda amargava a ditadura empresarial-militar, com João Figueiredo batendo seus incríveis 95% de inflação, ninguém diria que o Corinthians deixaria de viver sua própria ditadura, comandada com mão de ferro por Vicente Matheus –– que ao exemplo de seu par, naufragava. O clube terminou a temporada nas últimas posições e teve que disputar a Taça de Prata, análoga à atual Série B.

Os ventos pareciam soprar a outro rumo e uma maior participação dos atletas e funcionários começava a se desenhar, quando chegou o sociólogo Adilson Monteiro Alves para ser diretor de futebol. Em debate na PUC, reunindo Juca Kfouri, Sócrates e o próprio Adilson, surgiu o nome para um novo movimento, anotado por Washington Olivetto num guardanapo: Democracia Corinthiana. Com TH, diferente do que manda a ortografia. Porque o Corinthians desafia a norma. 

Desafia e ganha, porque o Corinthians é maior do que a norma. O Corinthians conseguiu aumentar sua torcida, mesmo ficando 23 anos sem um título sequer. E a Democracia Corinthiana conseguiu tornar os votos das lavadeiras, das faxineiras, dos copeiros, dos cozinheiros e dos jogadores tão importantes quanto os dos dirigentes nas decisões do clube, num país que ainda vivia sob os mandos e desmandos das fardas verde-oliva. O motim dos marujos conseguiu comandar coletivamente o timão. Algo que até hoje o Brasil não conseguiu. Ou por acaso a vontade popular tem alguma relevância nas decisões do Parlamento?

É claro que não parava por ali. Sócrates, Wladimir, Casagrande, Zenon e companhia não se contentavam em mudar a gestão do Corinthians. Se o Corinthians era a pátria de chuteiras dos favelados da zona sul de São Paulo; das travestis da Rua Augusta; ou dos operários do ABC que passaram ao largo do tal milagre econômico, que vibravam na arquibancada segurando seus radinhos, em gritos emocionados que evidenciavam a banguelice antes dos 40 anos, então a tal pátria amada idolatrada também precisava do Corinthians.

E o time do povo não deixou o povo na mão. Lá estava o escrete da Democracia Corinthiana nas manifestações por eleições diretas. Lá estava Sócrates em 1982, na Espanha onde nasceu Vicente Matheus, erguendo seu punho como os Panteras Negras enquanto encantava o mundo com a camisa amarela da melhor seleção que não ganhou uma Copa, assim como a camiseta amarela das Diretas Já representaria o maior movimento que não teve sua reivindicação atendida. 

Mas houve vitórias sim. Ainda naquele 82, o Corinthians entrou em campo com a frase “Dia 15 vote”. No dia 15 de novembro, milhões de brasileiros foram às urnas votar para governador, sem serem obrigados.

Em 2021, completam-se 40 anos do início daquele movimento, que provou de uma vez por todas que futebol é muito mais do que um jogo. E que títulos são apenas um detalhe.

Adrian Albuquerque

Repórter e diretor de audiovisual

Jornalista, editor de vídeo, sucinto e entusiasta de alguns filmes. Interessado em artes, cultura e política. Diretor do documentário “Isto não é uma entrevista”.

Norberto Liberator

Editor-chefe

Jornalista, ilustrador e cartunista. Interessado em política, meio ambiente e artes. Autor da graphic novel “Diasporados”.

Felipe Mafra

Bacharel em Filosofia, professor e agitador cultural.

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