Futebol feminino: da proibição à hegemonia lionesa

Por Gabriel Neri e Mateus Moreira
Colaborou Norberto Liberator
Arte por Guilherme Correia

Em meio à tentativa de reparação dos erros do passado, quando mulheres chegaram a ser proibidas de jogar futebol, equipe feminina do Lyon se consolida como potência

O futebol, em seu começo, era restrito a poucas pessoas e, conforme os anos se passaram, foi ganhando o caráter popular. Tão popular que hoje a FIFA tem mais países-membros que a Organização das Nações Unidas (ONU). A entidade máxima do futebol tem 211 membros contra 193 da ONU. Porém, para as mulheres, demorou muito tempo para que elas pudessem jogar. Antes, havia proibições e hoje é um esporte em franco desenvolvimento.

 No entanto, nem sempre foi um esporte livre para todos praticarem. Durante muitas décadas do século XIX, mulheres eram impedidas por lei de jogar futebol. Os tempos mudaram e o futebol feminino cresce a cada ano. Com isso, vem a justiça e a igualdade. Recentemente, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) igualou os salários que o time feminino e o masculino recebem quando as atletas são convocadas. 

 O presidente da entidade, Rogério Caboclo, afirmou que “não haverá mais diferença de gênero”. Além disso, pela primeira vez na história do país, duas mulheres vão comandar o futebol feminino no país, Aline Pellegrino e Duda Luizelli.

 

As proibições contra o futebol feminino

 

Na história do futebol, não há certeza de quando houve o surgimento, qual o primeiro país a colocar uma bola no chão e chutar com o objetivo de acertar algum arco. A Inglaterra desenvolveu as primeiras competições, sendo a FA Cup a mais antiga do mundo com mais de 140 edições, e batizou o esporte com o nome de futebol.

Apesar de o esporte não ter gênero em seus primórdios, com o passar dos anos, as mulheres foram impedidas de jogar e no Brasil, durante 40 anos, a prática do futebol feminino foi crime. No dia 14 de abril de 1941, o então presidente Getúlio Vargas através do Decreto-Lei nº 3.199, estabeleceu base de organização para os desportos no país via Confederação Brasileira de Desportos (CBD).

“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.”. Esse trecho é o artigo 54 do Decreto-Lei.

Essa medida impedia diversos esportes, mas não especificava diretamente. Isso mudou durante a Ditadura Militar com a Deliberação nº 7 do Conselho Nacional de Esportes, que se baseava no decreto-lei de Getúlio Vargas. Ali foi especificado que “não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo-aquático, pólo, rugby, halterofilismo e baseball.”

No cenário internacional, a Football Association (FA), da Inglaterra, proibiu muito antes o futebol entre as mulheres, em 1902. E a entidade máxima do futebol, a FIFA, também impediu a prática em seus campos até 1971.

A partir da década seguinte, as instituições do futebol começaram a valorizar o esporte e foram criadas as primeiras competições. Em 1984, a Suécia se sagrou a primeira seleção feminina campeã da Europa. A Copa do Mundo nasceu em 1991, na China; em 2019, na França, segundo dados da FIFA, mais de 1 bilhão de pessoas assistiram à competição.

No Brasil, 2019 também foi um ano importante para o esporte. Vários clubes que não tinham suas equipes femininas criaram seu plantel. Esse foi o caso de gigantes brasileiros como São Paulo, Palmeiras, Cruzeiro, Atlético Mineiro, Botafogo, Athletico Paranaense, Grêmio e etc. Apesar de ter surgido, dentre os motivos, por uma obrigação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), auxiliou no desenvolvimento no país.

Algumas equipes já estão mais consagradas no cenário nacional e já chegaram longe na principal competição continental, a Libertadores. Em 11 edições, todas com sede única, quatro equipes brasileiras, todas de São Paulo, já levantaram a taça:  Santos (2009 e 2010), São José (2011, 2013 e 2014), Ferroviária (2015) e Corinthians (2017 e 2019). Vale ressaltar que, na primeira conquista da Libertadores pelo Corinthians, o time atuou em conjunto com o do Audax.

Como esperado, a Europa se desenvolveu primeiramente no esporte e hoje é o principal centro do mundo neste nicho, com a UEFA Women’s Champions League sendo a maior competição continental.

Lyon

 

O Olympique Lyonnais vem se destacando no futebol feminino e se consolidou como a maior potência da categoria devido às últimas campanhas da equipe. O fato de ser o clube que mais conquistou títulos na Europa nos últimos anos é um reflexo do excelente trabalho do presidente Jean-Michel Aulas.

As jogadoras do Lyon, apesar da ainda existente diferença salarial, contam com as mesmas condições de trabalho da equipe masculina. O projeto acabou resultando em uma máquina de conquistar títulos.

O Lyon oferece para as atletas o mesmo CT e as mesmas instalações utilizadas pela equipe masculina, mas também possui estrutura própria, sendo ela uma das melhores da Europa. As jogadoras possuem disponíveis três campos para atividades: um campo com grama natural e dois artificiais, sendo um deles coberto, para os dias frios e com neve.

Além disso, contam com três fisioterapeutas, uma psicóloga esportiva, treinadora de goleiros e uma treinadora de atacantes. As jogadoras mais jovens do elenco, possuem, também, outra treinadora para aprimorar fundamentos exigidos no dia a dia da equipe.

Atual campeão da UEFA Women’s Champions League, o clube do sul da França possui sete títulos da competição e conquistou os últimos cinco de forma consecutiva. A qualidade do clube é tamanha que Sonia Bompastor, dirigente do Lyon, afirmou em entrevista que a equipe está “exatamente no mesmo nível de muitos clubes masculinos da primeira divisão da França, e se comparar com os times masculinos da segunda divisão, estamos melhores”.

Prognóstico para a próxima UWCL

Na campanha da temporada 2019/2020, o Lyon, novamente, se sagrou campeão invicto da competição. Na semifinal, eliminou um de seus maiores concorrentes: o Paris Saint-Germain. Em um jogo com uma expulsão para cada lado, a equipe venceu com um gol de Renard, aos 67 minutos de partida.

A final da competição, foi tão equilibrada quanto o duelo anterior, tendo campanhas semelhantes entre as equipes. Em seis jogos disputados, Lyon e Wolfsburg tinham 100% de aproveitamento, além de cinco jogos sem sofrer gols. Mas, a precisão em finalizações da equipe francesa decidiu a partida.

A vitória por 3 a 1 com gols de Le Sommer, Kumagai e Gunnarsdóttir, além de Alexandra Popp diminuindo para as alemãs, mostrou que, por mais que as equipes equilibrem o duelo diante do Lyon, a qualidade coletiva e individual, a tomada de decisão e a precisão francesa ainda estão em um patamar muito elevado.

O fato pode ser comprovado com as estatísticas da partida: no duelo, a equipe francesa teve 51% de posse de bola, contra 49% das alemãs. Além disso, o Lyon finalizou 15 vezes, sendo sete na direção do gol, enquanto o Wolfsburg finalizou 12 vezes com uma única finalização certa, que terminou em gol.

Uma curiosidade, é que o Lyon possui, em seu elenco, as três jogadoras que mais venceram a competição: Eugénie Le Sommer, Wendi Renard (capitã da equipe) e Sarah Bouhaddi, todas com sete títulos da UWCL.

A equipe também se destaca fora dos gramados: na última semana, o presidente do clube Jean-Michel Aulas revelou ter pago para as jogadoras, o mesmo valor repassado aos homens, quando avançaram para as quartas de final da UEFA Champions League. Em tempos passados, a premiação em dinheiro era muito inferior em relação à categoria masculina.

Mesmo com as equipes concorrentes se reforçando, a manutenção do elenco e a sequência de invencibilidade – que dura desde a temporada 2017/2018 – ainda fazem o Lyon entrar, novamente, como favorito para vencer a competição.

Recordista em títulos europeus, o Lyon igualou, mas busca superar outro recorde: o pentacampeonato europeu do Real Madrid de Di Stéfano, entre os anos 1955 e 1960. Caso conquiste, novamente, a UEFA Women’s Champions League em 2021, será o detentor único do maior recorde de títulos europeus em sequência da história.

Gabriel Neri

Repórter

Estudante de jornalismo, amante de futebol sul-americano e da América Latina.

Mateus Moreira

Colunista

Estudante de jornalismo, apaixonado por futebol e amante de política.

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