Festivais e cineclubes virtuais: o cinema a um clique de distância

A pandemia de COVID-19 fez com que os organizadores de eventos de todo o Brasil precisassem se adaptar às circunstâncias para poderem realizar exibições, mostras e festivais de cinema. Enquanto alguns migraram para o online, outros ensaiam realizar eventos presenciais – mesmo que ainda não seja seguro para tal

Por Igor Nolasco
Ilustração por Fábio Faria

A última semana marcou a finalização de três festivais de cinema no Brasil. O Festival Internacional de Curta-Metragens de São Paulo, o Kinoforum, talvez seja o mais conhecido. O Ecrã, festival carioca dedicado ao cinema experimental, chegou em 2020 com sua quarta edição. O REcine, com foco no cinema de arquivo, foi fundado no Arquivo Nacional antes de passar para a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio. Devido à pandemia de COVID-19, os três festivais, como tantos outros, tiveram suas edições de 2020 realizadas online.

A adoção desse novo formato por eventos que visam a exibição e o debate de filmes vem, naturalmente, com uma série de vantagens e desvantagens. Com o ambiente virtual perde-se o clima mais intimista, os debates presenciais e a experiência de se assistir a um filme na sala de cinema. Ganha-se, no entanto, uma difusão maior do conteúdo, agora mostrado para o país inteiro em detrimento de exibições localizadas em uma cidade apenas.

Os festivais online surgem como uma alternativa ao formato presencial, considerado arriscado e inviável durante o período de pandemia. Alguns buscam alternativas para incrementar essa opção. O Festival de Brasília, mais antigo evento dedicado ao cinema brasileiro em atividade, anunciou que para sua edição de 2020 irá mesclar exibições no espaço virtual com projeções em cinemas drive-in. A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo irá operar em lógica semelhante.

O modelo drive-in, que nas últimas décadas havia praticamente desaparecido do parque exibidor, tornando-se quase uma prática de nicho, decolou em popularidade em tempos de COVID-19. Além das tradicionais exibições de cinema, os drive-ins no Brasil e no mundo também passaram a abrigar apresentações musicais.

No entanto, nem todos os eventos parecem interessados em realizar suas edições pelo suporte virtual. É o caso do “Festival De Volta Para o Cinema”, cuja existência foi anunciada publicamente por um jornalista e produtor cultural paulistano através das redes sociais.

Com a proposta de exibir filmes estadunidenses já conhecidos pelo público e com pouco espaço para títulos brasileiros, o propósito do festival seria reaquecer a receita do parque exibidor. Sendo recebido com críticas incisivas pela ideia de realizar um evento presencial em cinemas (1200 salas ao redor do país) enquanto a pandemia no Brasil ainda não apresenta vislumbre de melhora, o anúncio foi seguido, no Twitter, pela justificativa: “por que os cinemas deveriam estar fechados enquanto companhias aéreas estão com voos lotados, transporte coletivo segue lotado, academias abertas, salões, bares e restaurantes atendendo? São milhares de empregos sendo perdidos em uma indústria fechada há 5 meses”.

São, de fato, milhares de empregos sendo perdidos. No Rio de Janeiro, o tradicional circuito de cinemas Estação, cuja programação foge do enfoque em blockbusters, precisou abrir uma campanha de financiamento coletivo para poder manter os espaços e pagar seus funcionários após meses de receita zerada. Foi a única forma encontrada para perpetuar a existência da rede, que durante os primeiros meses após a parada das atividades sustentou-se apenas graças ao patrocínio da NET. Ajudar pequenas redes a sobreviverem, no entanto, não parece ser a preocupação principal de eventos como o “De Volta Para o Cinema”.

Determinados estados brasileiros, como o Rio de Janeiro, há algumas semanas já estão ensaiando a retomada das atividades do parque exibidor cinematográfico. O público encontra-se ansioso para voltar aos cinemas, parecendo oblíquo aos riscos que tal atividade implica no momento, não apenas ao próprio público, como também aos funcionários que trabalham em cinemas e estarão em contato direto com centenas de pessoas, caso as salas de exibição retornem a funcionar em um futuro próximo.

A situação dos cinemas ao redor do mundo continua patinando, incerta. Após uma reabertura seguida de um rápido fechamento em março, a China, um dos maiores mercados cinematográficos do mundo, no momento encontra-se com salas abertas em parte de suas cidades. Em alguns países europeus, como a Inglaterra, sessões começaram a ser feitas com distanciamento entre assentos e uso de máscaras entre os clientes. O cenário foi registrado para o resto do mundo pelo ator Tom Cruise, que filmou sua ida ao cinema em Londres para assistir ao filme “Tenet”.

Enquanto parte do setor no Brasil tenta articular um retorno às atividades presenciais mesmo sem que haja a segurança necessária para fazê-lo, sob justificativas puramente econômicas, outra parcela ainda se esforça em estimular eventos remotos, através da internet, como uma forma de democratizar o acesso ao conteúdo transmitido e permitir com que todos que participem das exibições o façam da segurança de seus lares.

Após o término do Festival REcine, Cavi Borges, um de seus organizadores e figura conhecida na cena do cinema independente carioca, anunciou por seu perfil em redes sociais que o REcine continuaria mesmo após o término do festival, como um cineclube com transmissões de filmes através das redes. A primeira edição Cineclube REcine ocorreu no último sábado, 29 de agosto, e transmitiu curta-metragens do cineasta Sérgio Ricardo, falecido em julho de 2020.

 

Em uma lógica semelhante, o Cine Arte UFF, sala de cinema da cidade de Niterói com mais de meio século de existência, vem articulando sessões semanais às quintas-feiras, em transmissões que são seguidas de debates ao vivo. Trata-se de um substituto temporário para as habituais sessões com debate que há anos eram realizadas em seu espaço às quintas.

Dentro de um setor que se encontra em compasso de espera desde meados de março, cada organizador, curador e exibidor precisou encontrar formas cabíveis para se manter. Não foi apenas o caso de redes de cinema, como no supracitado exemplo da Estação. O festival Ecrã, por exemplo, também abriu uma campanha de financiamento coletivo, para que os espectadores pudessem agradecer através de contribuições com valor mínimo de R$ 10,00 pelo evento realizado online e gratuitamente.

Eventos vindouros, como a Mostra de São Paulo, irão conceder acesso aos filmes mediante pagamento individual pelo acesso a cada um, como um ingresso. A lógica de exibições remotas faz com que diversos desdobramentos possam ser escolhidos pelos organizadores de eventos, de acordo com suas possibilidades e necessidades.

A passagem do tempo já provou que a pandemia no Brasil dificilmente irá abrandar antes da chegada de medicamentos ou vacinas efetivas, com distribuição eficiente à população. Até lá, com ou sem reabertura, as salas de cinema permanecerão como um ambiente visto por alguns com desconfiança, por sua falta de segurança e potencial de aglomeração, e por outros com avidez por seu retorno, independente das condições nas quais o país se encontra.

Enquanto certos expoentes da organização de eventos do país tentam trazer o público de volta para os cinema em meio a uma pandemia cujos efeitos ainda matam mais de mil pessoas por dia no Brasil, outros oferecem a possibilidade de se assistir filmes de casa, gratuitamente ou a preços baixos. Ao público, em sua posição de cliente, cabe, como sempre, escolher a qual alternativa prefere direcionar sua atenção, seu tempo e, em alguns casos, seu dinheiro.

Igor Nolasco

Igor Nolasco

Colunista

Entusiasta do cinema brasileiro e formando em Cinema e Audiovisual pela ESPM Rio. Também interessado em literatura, música e história.

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