EAD gera debates entre estudantes na UFMS
- 12 de abril de 2020
Por Guilherme Correia e Leopoldo Neto
A modalidade de ensino à distância, conhecida como EAD, tem causado debate entre estudantes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Por falta de acesso à internet ou por ausência de um computador próprio, acadêmicos reclamam da medida de caráter emergencial que busca evitar a interrupção do semestre. As universidades públicas brasileiras – federais e estaduais – estão entre os setores que modificaram sua organização devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19).
Na UFMS, a EAD já era utilizada anteriormente para complementar disciplinas presenciais em determinados cursos. Para alguns alunos, como aqueles sem computador ou notebook que precisam utilizar os celulares para realizar as atividades solicitadas, a nova dinâmica de aulas mediada pela internet causa estranhamento.
“Tenho que me virar. Não tenho computador. As atividades eu estou fazendo, geralmente, no caderno e depois digitando no celular”, relata a estudante Evellyse Michele (18), do curso de Jornalismo. A acadêmica relata que, durante o período, ficou sem internet em casa por alguns dias. “Não pude participar de nem uma vídeo-chamada porque só conseguia usar o 3G do celular, não aguentaria”.
Evellyse Michele menciona que precisou da colaboração dos colegas para acompanhar o andamento das disciplinas. Segundo a universitária, alguns professores têm se mostrado compreensíveis por se tratar de uma situação atípica. “Acredito que nem deu para pensarem em coisas que atenderiam melhor quem não têm acesso”.
A estudante Anahi Escobar (21), do curso de Ciências Biológicas, pondera que não houve organização coletiva dos professores, pois cada docente decidiu realizar as aulas online de acordo com seus próprios métodos. “Tá bem variado, sabe? Há momentos de muita tranquilidade, mas tem semana que é só correria, entregar estudos dirigidos com seis páginas escritas a mão, pois uns três professores exigem isso. Outras disciplinas apenas vídeo-aulas, outras com chamadas ao vivo”.
Parar ou não?
O debate sobre a permanência ou interrupção do semestre envolve uma série de fatores determinantes, como as condições materiais dos estudantes, os problemas em relação ao aspecto didático-pedagógico das aulas e, de maneira mais ampla, o funcionamento geral da Universidade.
Outra estudante do curso de Jornalismo, que preferiu não se identificar, relatou à reportagem que devido ao fato de não possuir computador, ficou confusa com a plataforma utilizada pelos professores. “Não tenho computador e isso tem dificultado quando o professor faz a aula através do Ava*, é horrível fazer pelo celular”.
Outro fator que pesa no aprendizado da acadêmica é o aspecto psicológico influenciado pelo contexto da pandemia e de suas possíveis consequências. “O contexto faz a gente pirar às vezes, e nem conseguimos nos concentrar nas leituras e atividades”.
Uma das ações realizadas pela UFMS para contemplar os alunos sem possibilidade de acesso a computadores foi disponibilizá-los para livre acesso por parte do corpo discente.
A Badaró entrou em contato com a assessoria de imprensa da UFMS para compreender quais as preocupações da instituição em manter aulas mesmo com os perigos de alta disseminação do vírus. O que foi respondido, além das diversas ações realizadas por professores, pesquisadores, técnicos e alunos, foi que a decisão geral de se utilizar do método EAD partiu de uma comissão emergencial feita para tratar dessas questões.
A Universidade não respondeu, no entanto, como os alunos que não possuem meios de se deslocar até o câmpus podem ter acesso aos computadores, tendo em consideração que as linhas de ônibus funcionam na cidade apenas para funcionários que não tiveram seus trabalhos presenciais paralizados – sobretudo os profissionais da saúde. O passe do estudante foi suspenso pela Prefeitura de Campo Grande para evitar aglomeração.
Em portaria publicada na última sexta-feira (10), ficou decidido que os alunos terão de acompanhar aulas online até 11 de maio, quando está previsto o retorno presencial das atividades. Questionada sobre a existência de qualquer tipo de discussão sobre suspensão definitiva do semestre para manutenção do isolamento social, a UFMS não se posicionou.
A pesquisadora Daiani Tonetto, do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da UFMS, enfatiza que a universidade tem se esforçado para se adaptar ao processo de caráter emergencial. Ela também reitera que o processo adotado pela instituição se caracteriza por seu aspecto emergencial com intenção de adaptar a estrutura organizacional da UFMS no período de isolamento social. “Para o momento, o ensino remoto/emergencial é importante para que os alunos não sejam mais prejudicados. Sabemos que eles são alunos de cursos presenciais e não estamos transformando esses cursos em EaD”.
Segundo a pesquisadora, o empréstimo de computadores portáteis e a possibilidade de utilização dos laboratórios de informática estão entre as medidas adotadas pela UFMS. “Temos monitorado também os estudantes que não tem acesso à internet e computador. A UFMS abriu edital de empréstimo de notebooks e também para reserva de laboratórios de informática (com todas as orientações de higiene que estão sendo preconizadas)”.
A professora argumenta que, para o método temporário funcionar, é necessária a colaboração entre professores e alunos em relação ao caráter atípico das atividades. “Os professores precisam ter empatia, não podem querer dar quatro horas de aula síncrona começando às 7h30 da manhã. A rotina das casas mudou, muitos pais e mães que são estudantes também estão em teletrabalho, com crianças em casa, com os pais, alguns com pessoas doentes”.
Educação à distância
Embora os principais cursos das universidades públicas sejam totalmente presenciais, o mercado privado de educação à distância cresceu exponencialmente nos últimos anos. De acordo com último levantamento da Associação Brasileira de Educação à Distância (Abed), alunos de cursos exclusivamente à distância compõem 21,2% do total de matriculados em todo o ensino superior.
Daiani Tonetto pondera que há pontos positivos e negativos em todos os modelos de educação. A pesquisadora ressalta que, embora a presença física muitas vezes seja percebida como um fator essencial no processo didático, há a necessidade de se considerar uma série de outros elementos.
No âmbito dos fatores favoráveis, a professora destaca aspectos como a percepção do uso de tecnologias no processo de ensino; a compreensão de que a aprendizagem pode acontecer em múltiplos espaços não restritos à sala de aula presencial; como também o cuidado no preparo de aulas que o docente precisa ter – fator este potencialmente construtivo no processo pedagógico. “O professor precisa seguir muitos pré-requisitos, desde a elaboração do plano de ensino, produção de material didático, validação desse material, formas de tutoria, avaliação da aprendizagem, que não é tão cobrado no presencial”. Tonetto também ressalta a possibilidade de monitoramento da atividade discente e docente no ambiente virtual. “Podemos monitorar quantos alunos e professores acessam, o que fazem nos ambientes, quanto tempo permanecem etc. Isso é bem importante para termos um panorama de como os estudantes estão se organizando e como estão estudando”.
Em relação aos aspectos desfavoráveis da mediação da tecnologia para o ensino, a pesquisadora reitera a preocupação com a desigualdade no acesso à tecnologia entre estudantes de diferentes grupos socioeconômicos. Nesse sentido, a professora reitera a necessidade de mapeamento da universidade para reduzir os prejuízos que certos estudantes podem ter durante o processo. “Esse não pode ser um momento de acirrar as desigualdades, mas sim de monitorar e pensar ações para diminui-las. Se não fosse esse momento, não saberíamos quais alunos não tem computador, quais alunos não tem internet”. Outra preocupação que a pesquisadora expressou, dentro dessa lógica, é a necessidade de formação dos professores para uso de tecnologias.
De acordo com o professor Rui Ventura, da uma rede paranaense de ensino à distância “Kultivi”, o conteúdo aplicado na estrutura online por vezes é melhor assimilado pelos alunos do que as aulas presenciais, até mesmo por universitários. “Eles usam nossos vídeos para estudar, e o comentário mais comum é ‘aprendi em uma aula o que não aprendi o semestre inteiro na faculdade’, é muito recompensador quando a gente consegue fazer um bom trabalho neste sentido”.
Outras universidades
Também em Mato Grosso do Sul, a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) decidiu suspender o calendário acadêmico, com a previsão de reposição das aulas perdidas. Os benefícios e os auxílios estudantis foram mantidos na instituição. A medida começou a valer em 18 de março e está prevista para se encerrar no dia 15 de abril. Questionada sobre a possibilidade em haver prorrogação, a assessoria de imprensa da UFGD não respondeu até a publicação desta reportagem.
No Brasil, algumas universidades optaram pela suspensão do semestre, como é o caso da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Inicialmente, o cancelamento na instituição duraria até o fim de março, mas houve prorrogação para o dia 2 de maio. “A gente está parado. Estão analisando o que farão com o semestre. Estão passando conteúdos apenas para estudarmos, mas não tá contando como aula”, explica Rafael Polidoro, estudante de Medicina.
Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de acordo com portaria da instituição, as aulas presenciais e à distância dos cursos de graduação estão suspensas por tempo indeterminado. A medida se embasa no argumento de que aulas online não seriam democráticas, porque não são todos os universitários que possuem acesso a computadores e à internet.
*Ava: Ambiente virtual de aprendizagem