O homem que desafiou o Ocidente

Por Norberto Liberator
Colaborou Leopoldo Neto

Este foi o tom de Hassan Rouhani em seu discurso pós-reeleição à presidência do Irã, em 2017, quando a população reforçou o voto de confiança dado quatro anos antes, em sua primeira vitória eleitoral – quando foi eleito com o slogan “Moderação e Sabedoria”.

Conhecido como “sheik diplomático”, Rouhani foi o candidato da aliança entre reformistas e conservadores moderados, que se uniram contra os apoiadores do ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad – presidente do Irã entre 2005 e 2013, que colecionou polêmicas como o programa de enriquecimento de urânio e a afirmação de que Israel deveria ser varrido do mapa.

Em 2009, Ahmadinejad foi acusado de fraudar o resultado das eleições que lhe garantiram o segundo mandato no primeiro turno, por 62,6% dos votos. Protestos varreram o Irã, após o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país, se recusar a abrir investigações sobre as suspeitas de fraude. Na ocasião, Rouhani já era um dos principais adversários do então chefe do Executivo e buscava uma aliança ampla com setores de oposição. 

O clérigo e jurista, que hoje ocupa o cargo de presidente, surgiu para a política iraniana ainda nos anos seguintes à Revolução Islâmica de 1979, em funções parlamentares e administrativas. Antes disso, sua trajetória foi dedicada à vida acadêmica. Graduado em Direito pela Universidade de Teerã, cursou mestrado e doutorado em Direito Constitucional na Universidade Caledônia de Glasgow, no Reino Unido. Além do persa – sua língua nativa –, fala fluentemente inglês, francês, alemão, russo e árabe.

Durante sua primeira gestão, o maior feito de Rouhani na política internacional foi o tratado de não proliferação nuclear firmado com Estados Unidos, França, Rússia, China, Reino Unido e Alemanha em Viena (Áustria). O acordo foi realizado em 2015, após negociações feitas desde o início do mandato do iraniano. Com o tratado, o Irã se comprometeu a aceitar a presença de agentes internacionais em suas usinas nucleares; em troca, foram abolidas sanções econômicas da ONU contra o país asiático.

Moderado pero no mucho

Atualmente notado por manter postura flexível, o presidente nem sempre foi conhecido pelo diálogo. A trajetória política de Rouhani é permeada por sua ligação aos setores mais conservadores da sociedade iraniana. Em 1999, defendeu pena de morte para manifestantes que depredassem patrimônio público.

Em 2017, Rouhani foi acusado, pelo ex-presidente reformista Mohammad Khatami, de abandonar promessas de campanha para obter apoio de setores conservadores, sobretudo do Aiatolá Ali Khamenei. Em 2019, o ex-presidente voltou a criticar Rouhani, desta vez por não agir diante de prisões políticas no país.

Khatami, que governou o Irã entre 1997 e 2005, é um dos mais proeminentes ativistas por direitos humanos e pela abertura política no país, além de ter sido um dos principais cabos eleitorais de Rouhani. Durante o segundo mandato do ex-presidente (2001-2005), Rouhani liderou as negociações do programa nuclear iraniano com a comunidade internacional.

A missão da vingança

Após o atentado que resultou na morte do general Qasem Soleimani, no dia 3 de janeiro, Hassan Rouhani anunciou que o Irã “não conhecerá limites” em relação ao tratado, do qual os Estados Unidos já não fazem parte desde 2018, quando Donald Trump anunciou a saída de seu país do acordo. Em visita à viúva e às filhas do militar, o presidente iraniano jurou que “toda a nação iraniana vingará” a morte de Soleimani.

A resposta do Irã veio quatro dias depois do assassinato do militar, com mísseis contra as bases iraquianas de Al-Asad e Erbil, que abrigam tropas estadunidenses. A Guarda Revolucionária, grupo de elite das Forças Armadas do Irã, afirmou na ocasião que uma resposta militar estadunidense implicaria em ataques contra Haifa, em Israel, e contra Dubai, nos Emirados Árabes.

Nesta terça-feira, 14, a União Europeia acionou mecanismo de disputa sobre o acordo nuclear firmado em 2015 – com isto, se inicia um período de aproximadamente 60 dias para o Irã se adequar integralmente ao tratado. Rouhani respondeu com ameaças de retaliação militar. “Pode ser que amanhã os soldados europeus estejam em perigo”, declarou.

Protestos

Em meio ao desafio externo nas relações com potências ocidentais e ao interno, de enfrentar críticas de antigos aliados, Rouhani enfrenta agora mais um dilema. Protestos se tornaram constantes desde o reconhecimento de autoria, por parte das Forças Armadas do Irã, do abatimento do voo PS572, da Ukraine Airlines, que matou 176 pessoas. 

O regime, que negou envolvimento por dois dias, tem sido contestado nas ruas pela tentativa de esconder o fato. Os protestos se tornaram mais intensos e pedidos de destituição do Aiatolá Khamenei passaram a ser recorrentes. Na Universidade de Teerã, a polícia dispersou um confronto entre estudantes que se manifestavam e membros do grupo religioso Basij.

Com visão moderada e já contestado por setores que defendem mudanças sociais profundas, Rouhani precisa escutar os manifestantes para não perder uma base forte de seu apoio. Por outro lado, se indispor com o líder supremo poderia ser o fim de sua carreira política. Embora já tenha mediado acordos militares junto a grandes potências, o presidente encara, em uma crise doméstica, a mais difícil de suas tentativas de conciliação.

Norberto Liberator

Editor-chefe

Jornalista, ilustrador e cartunista. Interessado em política, meio ambiente e artes. Autor da graphic novel “Diasporados”.

leopoldo neto

Editor-chefe

Jornalista e mestrando em Comunicação. Possui interesse em jornalismo político, científico e cultural. Busca explorar o formato podcast.

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